Quando a primeira edição de VEJA foi lançada, em 1968, o Brasil era um grande importador de grãos. Era o Brasil da enxada e da pobreza no campo — além da verminose e da malária —, e a maior parte da população rural sonhava em fugir do atraso migrando para as cidades. Em cinquenta anos, a mudança foi brutal. O país saiu de um patamar de 1 200 quilos de grãos por hectare para 3 750 quilos. “Da década de 70 para cá, a produção de grãos cresceu nove vezes, enquanto a área plantada triplicou. Ou seja, o ganho de produtividade transformou o Brasil de importador de alimentos em um dos celeiros do mundo”, diz José Gasques, coordenador de pesquisas de política agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
As sementes da virada foram plantadas no fim dos anos 60 e começo dos 70, com o início da ocupação da Região Centro-Oeste e a criação da Embrapa, uma joia da pesquisa agropecuária. A ocupação do cerrado se deu com a pecuária, que promoveu o povoamento em direção a áreas fronteiriças, com o estímulo dos governos militares. Na época, já era consenso que o mundo seria alimentado pelos países emergentes, especialmente os localizados em áreas tropicais, onde é possível produzir três safras por ano, em vez de uma, como ocorre em zonas de clima temperado.
Graças ao avanço da Embrapa, o solo ácido do cerrado foi adaptado à agricultura. Hoje, 44% da produção nacional de grãos vem dessa região. A Embrapa ajudou a desenvolver sementes adequadas às condições do solo e do clima do bioma. Com isso, além de permitir o aumento da produção de grãos para exportação, facilitou a alimentação da extensa população bovina criada nos pastos.
O Brasil que importava alimentos é hoje o maior exportador mundial de proteína animal, o terceiro maior produtor de milho e o segundo de soja — mesmo diante dos gargalos de infraestrutura que eliminam boa parte da eficiência conseguida dentro das fazendas. O valor do frete pago pelo exportador brasileiro é, em média, o quádruplo do desembolsado pelo americano e mesmo pelo argentino. “Se quisermos manter o protagonismo no setor, teremos de usar a tecnologia para uma melhora dramática da infraestrutura de transporte”, afirma o engenheiro agrônomo Cesar de Castro Alves, da consultoria MBAgro.
A Embrapa ajudou a desenvolver sementes adequadas às condições do solo e do clima do bioma do cerrado
Um pedaço do futuro já chegou. Em Maracaju, em Mato Grosso do Sul, tem-se um exemplo da inventividade que move a revolução verde do país. Flávio Ferreira e Souza, 30 anos, e seu irmão, Gabriel, de 23, netos de fundadores de Maracaju, passam os dias pilotando um drone equipado com duas câmeras de alta resolução e um GPS pelos céus de sua fazenda. Gabriel usa as imagens captadas e depois analisadas por um software para detectar, por exemplo, a presença de ervas daninhas no solo, sem precisar pisar na lavoura. Ao identificar os focos de invasão, aplica o veneno apenas nas áreas infestadas.
“Antes, tínhamos de cobrir toda a plantação, o que aumentava o gasto com o veneno, o maquinário e o combustível”, explica o agricultor. Como toda ideia boa se espalha rapidamente num ambiente saudável, os irmãos já são procurados para dar consultoria a fazendeiros da região interessados em aumentar a produtividade. Eles já encomendaram um novo drone, que em breve estará sobrevoando os céus de Maracaju. Os avós dos Souza ficariam de boca aberta com a cena.
Publicado em VEJA de 26 de setembro de 2018, edição nº 2601