A Biblioteca de Alexandria, erguida no Antigo Egito, pretendia compilar toda a informação escrita até então. Chegou a guardar 700 000 rolos de pergaminhos. Tudo foi perdido, provavelmente em um incêndio no ano 48 a.C. Mas a humanidade, claro, não parou de produzir informação. Hoje, em apenas dois segundos, menos até, tem-se o equivalente ao acervo de Alexandria. Em vinte minutos, o acervo da Biblioteca do Congresso americano, a maior do mundo. Em dois dias, a quantidade de dados gerada equivale a tudo o que o homem produziu desde o início da civilização até 2003. Bem-vindo à era do Big Data, expressão em inglês que designa o oceano de informações e dados que geramos no mundo digital.
Foi em um estudo publicado em 1997 pelos pesquisadores Michael Cox e David Ellsworth, do centro da Nasa na Califórnia, que nasceu o nome Big Data. Ao participarem da Conferência Internacional de Tecnologia Industrial, realizada em Phoenix, Cox e Ellsworth destacaram “um desafio interessante para os sistemas de computador: os conjuntos de dados geralmente são muito grandes, sobrecarregam as capacidades da memória principal, do disco rígido e até mesmo do disco remoto. Chamamos isso de problema de big data”. A evolução da indústria tecnológica resolveu a dificuldade com a criação de dispositivos mais poderosos e, sobretudo, mais baratos. Em pouco mais de vinte anos, estocar 1 gigabyte, ou 1 bilhão de bytes — unidade equivalente a 8 bits, suficiente para guardar um caractere de texto no PC —, caiu da casa do milhar para a de centavos de dólar.
Qual a utilidade de tanta informação? “Durante muito tempo, não era claro o uso que os dados poderiam ter”, diz o advogado Eduardo Magrani, coordenador do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro e autor de A Internet das Coisas (2018). “O que sabíamos era que, após uma pesquisa feita no Google, logo aparecia um anúncio relativo ao assunto”, comenta ele. Sim, naturalmente essa era, e é, uma das utilidades do armazenamento de dados: o uso comercial. Também se descobriu, no início deste ano, que a tecnologia poderia ser empregada com um propósito alarmante: atentar contra a democracia, como se viu no escândalo da Cambridge Analytica, que tentou manipular a eleição dos Estados Unidos e andou esticando suas mãos até o Brasil.
Hoje em dia, com um smartphone, um singelo smartphone, qualquer pessoa produz uma quantidade inimaginável de dados, que deixam rastros digitais. Em breve, sensores espalhados pelo corpo farão com que esses e muitos outros dados sejam multiplicados inúmeras vezes — e aproveitados de diversas maneiras. Em 2009, antecipando-se a isso, o escritor americano A.J. Jacobs iniciou uma curiosa experiência: encheu seu corpo de aparelhos e passou os dois anos seguintes monitorando quase tudo em sua vida, como a qualidade do sono, os passos que dava, as vitaminas que ingeria e as calorias que perdia na esteira da academia. A obsessão pelo registro dos próprios dados, que visava a fazer dele o homem mais saudável do planeta, levou Jacobs a escrever Drop Dead Healthy (Morto de Saúde), lançado em 2012. O livro se tornaria um best-seller. Não por acaso: o futuro piscava ali. Com tantas informações simultâneas sobre o organismo de cada um, já nos próximos anos será possível realizar tratamentos antes de ficar doente (leia mais a respeito no capítulo sobre Longevidade).
A avalanche de dados do Big Data será tão colossal que os computadores saberão mais sobre as pessoas do que elas mesmas, e não há aí exagero algum. Com o uso de algoritmos, muitos sites já sugerem livros, canções, automóveis, filmes e até pessoas que poderão nos atrair. Farão muito mais, como determinar qual profissão devemos seguir. Na arena pública, os algoritmos poderão definir as políticas de um governo — e, pelo andar da carruagem, poderão também tomar as decisões no lugar do homem, que anda tomando decisões para lá de insensatas.
Publicado em VEJA de 26 de setembro de 2018, edição nº 2601