#44 A CIDADE: Atração urbana
O crescimento da população em grandes centros é um fenômeno global, impulsionado pela tecnologia, que torna mais sensata a vida nas metrópoles
“Todas as sociedades tendem a um bem e, principalmente, ao bem supremo. O bem supremo, o que abrange todos os outros, é a chamada cidade”, escreveu Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.), monumento da filosofia grega. É humano, demasiado humano, o movimento de formar aldeias, vilas, cidades, metrópoles, megalópoles. Nos últimos cinquenta anos, o Brasil, um exemplo radical de urbanização, deixou de ser 44% rural para tornar-se 84% urbano (outro caso extraordinário é a China). Hoje, seis de cada dez brasileiros vivem em cidades grandes ou médias, aquelas com mais de 100 000 habitantes.
As ruas de Florença nos deram o Renascimento, e as de Birmingham, a Revolução Industrial, já dizia Edward Glaeser, notável especialista em economia urbana. E as cidades propiciam as melhores oportunidades de quase tudo, do trabalho ao teatro, do lazer à gastronomia. Além disso, no sentido mais prático da vida, as cidades se destacam na oferta de serviços essenciais, como saúde, educação e segurança — ainda que, no Brasil urbano, tudo isso esteja hoje em decadência. A grande novidade das últimas décadas, porém, que funciona como ímã nas cidades, é o fenomenal avanço da tecnologia. Pela primeira vez na história da humanidade, há “cidades inteligentes” — as smart cities, em inglês —, que buscam fazer uso da profusão de dados e de sua análise para facilitar a vida dos habitantes.
Com a expansão da internet das coisas, estima-se que o investimento mundial em serviços básicos — como energia elétrica e saneamento — deverá saltar de 5 bilhões para 40 bilhões de dólares no período que vai de 2015 a 2020, segundo o Boston Consulting Group, empresa americana de consultoria. As redes de transmissão de energia e fornecimento de água estarão conectadas em tempo real à internet, o que permitirá às empresas e aos consumidores gerenciar a oferta e a demanda de tais serviços. A partir de 2019, a cidade paulista de Barueri estará entre as primeiras do país a dispor do serviço conectado, ainda em caráter experimental. Em Barcelona, a iluminação pública, com lâmpadas de LED, aumenta ou diminui conforme a presença de pedestres ou carros. A economia de energia chega a 30%.
As cidades, que sempre fascinaram o homem, serão cada vez mais o epicentro da experiência humana — só que estarão ainda mais fascinantes. Tome-se o caso da mobilidade urbana, uma das dificuldades mais agudas da vida em grandes cidades. Com a fartura de dados produzida pelo ambiente digital e a inteligência artificial, há cidades americanas que já são capazes de enfrentar as questões do transporte com minúcia. Em Dallas, no Texas, o foco é atender à demanda na chamada “primeira ou última milha”. Ou seja: a distância que separa a casa e o trabalho das pessoas da estação de metrô ou do ponto de ônibus mais próximo.
Na China, mais de duas dezenas de prefeituras trabalham em parceria com a Didi, a maior empresa de aplicativo de transporte do mundo, para coletar informações em tempo real sobre o trânsito e direcionar o funcionamento de semáforos, faixas reversíveis e painéis de orientações aos motoristas a fim de antecipar-se aos congestionamentos. O uso de análise de dados pela Didi — que no início deste ano adquiriu o controle da 99 no Brasil — permite prever com quinze minutos de antecedência picos de demanda em determinados bairros, o que torna possível o envio de táxis adicionais ao local.
As cidades do futuro — do futuro muitíssimo breve — vão dispor do carro autônomo, que será a estrela dos aplicativos de transporte. O Brasil, porém, terá um longo caminho a percorrer para extinguir mazelas do século passado que ainda povoam suas cidades, como a decadência dos centros históricos, as pichações, os moradores de rua, a insegurança brutal — problemas presentes em quase todas as capitais do país. Mas as cidades, esse vulcão de vida, seja em Istambul, seja em Montevidéu, continuarão sendo o melhor resumo da experiência humana.
Publicado em VEJA de 26 de setembro de 2018, edição nº 2601