Em 1869, estimulado pelo concurso lançado por um empresário que temia o fim do marfim utilizado por ele na fabricação de bolas de bilhar, jogo que se tornara febre nos Estados Unidos e na Europa, o inventor americano John Wesley Hyatt desenvolveu o celuloide, substância derivada do algodão. Nascia a primeira versão de um plástico para uso industrial, inflamável. Ele se espalharia com velocidade em fábricas e lares, como padrão, até o surgimento do polietileno, em 1933. Leve, flexível, barato e resistente, o polímero revolucionou a sociedade. Nos anos 1950, anúncios celebravam a mágica dos sintéticos, em diversas modalidades, como o celofane, que apareciam até em propagandas envolvendo bebês, como símbolo de segurança e eficácia (veja abaixo). Vê-los, agora, é um anátema. O passar do tempo e a infeliz capacidade de poluição dos plásticos — alguns precisam de 1 000 anos para serem absorvidos pela natureza (leia no quadro) — inauguraram uma outra postura, de rechaço. E já há algumas décadas busca-se uma solução, algo que substitua o material ou o faça ser diluído.
Brotou, recentemente, uma empolgante novidade, embora ainda seja preciso investigação mais aprofundada. Cientistas da Universidade de Illinois e do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) desenvolveram um método orgânico capaz de destruir completamente o plástico, sem deixar resíduos. São duas bactérias modificadas geneticamente que trabalham em conjunto para digerir as substâncias tóxicas que surgem da degradação do poliéster mais produzido no mundo, o PET, e simultaneamente gerar moléculas inofensivas que podem vir a ser utilizadas na fabricação de novos produtos. “Com o recurso da biotecnologia, equipamos os microrganismos com circuitos genéticos capazes de transformar o lixo”, disse a VEJA Ting Lu, autor de um dos artigos publicado na reputada revista Nature Communications. Nos últimos anos, a busca por micróbios naturais que consomem o plástico foram descritos, havia ansiedade por sucesso, apesar dos resultados tímidos. Agora, sim, brotou empolgação. Seria um extraordinário passo para uma tendência incontornável, por ser respeitosa ao ambiente — o upcycling, a reciclagem que aproveita resíduos e materiais para a manufatura de um produto com valor igual ou maior do que o dos itens que o originou. Soa bonito no mundo ideal, mas há imensos obstáculos do ponto de vista prático.
Hoje, a indústria plástica, avaliada em 590 bilhões de dólares anuais (70% maior que a indústria dos videogames, por exemplo), produz cerca de 380 milhões de toneladas de plástico a cada doze meses — gerando, ressalve-se, uma quantidade ainda mais obscena de gases do efeito estufa. No Brasil, apenas 23,1% dos resíduos são reciclados, enquanto todo o resto dos plásticos de uso único, como as garrafas de água e refrigerante, as sacolas e os canudos, encontram seu destino nos mares e nos lixões.
Eis o grande e assustador nó. O upcycling e os biodegradáveis seriam uma solução, mas exigiriam, como premissa, o descarte correto do lixo, o que não ocorre. A Política Nacional de Resíduos Sólidos brasileira estabeleceu a responsabilidade compartilhada: enquanto os usuários deveriam descartar corretamente o lixo, os municípios ficaram responsáveis pela coleta seletiva e as empresas, pela restituição e tratamento da sujeira produzido pelos seus produtos. É movimento que deixaria os plásticos longe do intestino de peixes e tartarugas e permitiria sua reutilização. Não é assim que funciona, contudo e infelizmente. “Se todos seguissem as responsabilidades acordadas, teríamos melhora”, diz Paulo Teixeira, presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria do Plástico.
Há alguma evolução, mas ela é tímida. Em 2020, o governo brasileiro se comprometeu a recuperar metade de todas as embalagens produzidas no país até 2040. O cenário ainda está muito distante dessa quimera, e seria preciso uma revolução de comportamento para alcançá-la. “Os diversos tipos de plástico pertencem a uma classe de materiais que, em um curto período de tempo, passou a estar totalmente incorporada em todos os setores da sociedade”, diz Talita Martins Lacerda, professora do departamento de Biotecnologia da Escola de Engenharia de Lorena da Universidade de São Paulo (USP). “A melhor alternativa é, sem dúvida, repensar os hábitos de consumo”. Enquanto eles não mudam, e é realmente difícil mexer com o que está consolidado, as bactérias do bem desenvolvidas em laboratório representam um alento.
Publicado em VEJA de 29 de setembro de 2023, edição nº 2861