Ciência tenta descobrir por que algumas espécies vivem tanto
Pesquisas sobre longevidade no mundo animal podem, no futuro, ajudar os humanos a chegar cada vez mais longe
Após ampla pressão de ativistas, a Organização de Pescas do Atlântico Noroeste (Nafo, na sigla em inglês) proibiu recentemente a captura de tubarões-da-groenlândia em águas internacionais. Medidas desse tipo geralmente estão associadas apenas a fatores ambientais, mas dessa vez foi um pouco diferente. O desejo de preservar a espécie deve-se a uma característica singular: sua notável longevidade. Estudos recentes mostraram que o raríssimo Somniosus microcephalus — em tradução livre, seu nome científico significa “sonolento de cabeça pequena”— pode viver até 400 anos. Sim, quatro séculos. Trata-se, de fato, de uma criatura extraordinária, que cresce apenas 1 centímetro a cada doze meses e atinge a maturidade sexual aos 150 anos. Até onde se sabe, apenas ele e alguns tipos de moluscos resistem tanto à passagem do tempo, mas o tubarão desperta maior curiosidade da ciência porque talvez possa trazer ensinamentos aos próprios humanos. Se um vertebrado é capaz de ir tão longe, por que nós não podemos sonhar com jornadas ao menos um pouco mais extensas?
A idade de muitas espécies de tubarão é determinada pela contagem dos anéis de crescimento de suas vértebras, algo mais ou menos parecido com o que é feito no levantamento dos círculos de árvores. Os tubarões-da-groenlândia, contudo, não possuem os tais anéis. Nesse caso, a longevidade é medida por meio da datação por radiocarbono, método consagrado na análise de fósseis. Foi assim que pesquisadores da Universidade de Copenhague, na Dinamarca, conseguiram provar, pela primeira vez em 2016, que essa espécie em particular é tão antiga — e, por isso mesmo, tão valiosa para a ciência. Desde então, diversos estudos comprovaram a teoria dos dinamarqueses e o interesse pelo tubarão só cresceu. Agora, os pesquisadores querem entender por que ele vive tanto e, a partir daí, desenvolver hipóteses que possam ajudar a compreender melhor o processo de envelhecimento dos humanos.
Um estudo publicado recentemente na revista americana Science investigou as razões que levam as tartarugas, os animais terrestres mais senis, e outros bichos a retardar o envelhecimento. Para surpresa dos pesquisadores, é possível que a chave da longevidade esteja relacionada aos cascos duros. “Pode ser que a morfologia alterada ajude na evolução de suas histórias de vida, incluindo o envelhecimento insignificante”, disse Anne Bronikowski, coautora do estudo e professora de biologia na Universidade do Estado do Michigan. Segundo a cientista, as armaduras corporais aumentam consideravelmente a capacidade defensiva das espécies que as possuem. Com isso, o animal estaria liberto para adotar um ciclo de vida mais ameno, sem pressa para chegar à maturidade sexual. O ciclo reprodutivo é outro fator determinante: quanto mais cedo o animal tem o filhote, maior é o ritmo de seu envelhecimento. Por alguma razão que permanece misteriosa aos cientistas, os organismos aparentemente precisam determinar como investir suas energias, se na reprodução precoce ou na vida mais longeva. Nesse aspecto, os humanos e os primatas em geral ficam no meio do caminho.
De acordo com registros oficiais, a tartaruga mais idosa do mundo completou neste mês de dezembro 190 anos de vida. Moradora ilustre da ilha Santa Helena, ela é conhecida como Jonathan e leva uma vida cercada de mimos — a expectativa é que supere os 200 anos, talvez até mais. Segundo o Zoológico de Calcutá, na Índia, uma de suas tartarugas viveu até 255 anos, mas não há documentação que comprove se foi tão longeva mesmo. Também recentemente o Zoológico de Berlim comemorou o 65º aniversário da fêmea de gorila Fatou, a mais velha do mundo em cativeiro. Os cuidadores estão surpresos com a saúde de Fatou e acreditam que ela possa viver bem mais. Com o avanço da medicina — que beneficia inclusive os não humanos — e das técnicas de detecção do tempo de vida, novos recordes deverão ser quebrados nos próximos anos. Entender por que alguns animais vivem tanto, afinal, é um caminho que nos ajudará a desvendar os mistérios de nossa própria existência.
Publicado em VEJA de 4 de janeiro de 2023, edição nº 2822