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Como a Amazônia pode virar um manancial de negócios altamente lucrativo

Sem derrubar uma árvore e, ao contrário, recuperando áreas desmatadas, a região tem potencial para se firmar na linha de frente da chamada economia verde

Por Ernesto Neves, de Belém
Atualizado em 4 jun 2024, 10h03 - Publicado em 28 jul 2023, 06h00
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  • As evidências de que o aquecimento global provocado pela atividade humana está transtornando como nunca antes a vida no planeta podem ser vistas em toda parte nessas últimas semanas, das ondas de calor sufocante na Europa, Ásia e América do Norte ao derretimento das calotas polares nos dois extremos do globo, passando pela pior seca em 100 anos na Argentina e Uruguai e a sucessão de ciclones no Sul do Brasil. Combater o caos ambiental se tornou premente, e uma ferramenta crucial na realização dessa gigantesca tarefa está literalmente plantada no Brasil: a Floresta Amazônica, tema da primeira Cúpula da Amazônia, que será realizada nos dias 8 e 9 de agosto em Belém do Pará, com a presença dos presidentes dos sete países (Brasil, Equador, Bolívia, Colômbia, Guiana, Peru e Ve­nezuela) e um território ultra­marino, a Guiana Francesa, sobre os quais a imensa mata se estende.

    arte amazonia

    Bem cuidada e explorada com critério, ela tem tudo para se firmar na linha de frente da chamada economia verde, a vertente do capitalismo que combina crescimento com práticas socialmente justas, respeito aos limites da natureza e combate à emissão de dióxido de carbono (CO2) e outros gases que bloqueiam a liberação do calor da atmosfera terrestre no espaço. Especialistas localizam na Amazônia a região com maior potencial de economia sustentável do mundo, por concentrar metade da biodiversidade planetária — emaranhado de fauna e flora capaz de revolucionar o mapa econômico global.

    Nessa corrida, o Brasil sai com a vantagem de concentrar 60% da área da floresta. Segundo levantamento do Banco Mundial, a região pode vir a render ao ano 1,5 trilhão de reais (quase 10% do PIB do país), aí contabilizados os recursos provenientes de ativi­dades que reduzem as emis­sões de CO2, vilão do aquecimento global, a extração de frutos e elementos químicos, o uso das plantas, a pujança promovida pelas chuvas que se espalham pelo país e o aproveitamento correto de empreendimentos privados, como o ecoturismo. “O Brasil está muito bem posicionado e deve abraçar a economia verde como projeto de desenvolvimento”, diz Arminio Fraga, ex-­presidente do BC.

    FRUTA POP - Colheita de açaí em área florestal: o fruto da palmeira do mesmo nome caiu no gosto popular e hoje movimenta 15 bilhões de dólares em exportações para o mundo todo, sendo usado até em cosméticos
    FRUTA POP – Colheita de açaí em área florestal: o fruto da palmeira do mesmo nome caiu no gosto popular e hoje movimenta 15 bilhões de dólares em exportações para o mundo todo, sendo usado até em cosméticos (Michael Dantas/AFP)
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    Não à toa, o grupo Algar, conglomerado com sede em Minas Gerais que atua na agropecuária, hotelaria e comunicações, criou um cargo apelidado de “executiva de florestas”, ocupado pela engenheira florestal Luciana Di Paula, de Belém. O grupo tem uma propriedade de 145 000 hectares entre os municípios de Bagre e Portel, no Marajó, norte paraense, onde desenvolve uma série de práticas lucrativas e não danosas ao meio ambiente. Luciana é responsável por catalogar espécies nativas para o manejo de madeira, cuidar da manutenção de hortas orgânicas de cacau e promover ações de inclusão social para as cerca de 500 pessoas envolvidas na operação da fazenda. Em janeiro, a Algar iniciou ali sua mais ambiciosa empreitada ecológica, a venda de créditos de carbono.

    Negócio do terceiro milênio, um crédito de carbono significa que 1 tonelada de gás carbônico deixou de ir para a atmosfera por causa de uma área que foi conservada ou reflorestada. Compram créditos as empresas que ainda não reduziram as próprias emissões. Vendem, aquelas que têm áreas florestais, calculam quantas toneladas de carbono sua propriedade tem potencial de absorver com a fotossíntese e comercializam essa capacidade por determinado período de tempo. No Brasil, hoje em dia, cada tonelada de carbono “sequestrado” — no jargão comumente usado — custa entre 10 e 15 dólares. Na Europa, já se aproxima de 100 dólares. A primeira negociação da Algar foi fechada com a Vale, que vai pagar pela preservação de 50 000 hectares de mata virgem. Em trinta anos, o projeto promete absorver 40 milhões de toneladas de gases do efeito estufa. “É decisivo e urgente aumentar o patamar de remuneração da floresta de pé, e os créditos de carbono podem fazer isso”, diz Luciana.

    SABOR DA NATUREZA - Em Manaus, Artur Coimbra comanda a linha de produção do chocolate orgânico Na’kau, comprando a preços justos o cacau plantado entre árvores nativas e colhido por trinta comunidades locais e duas aldeias indígenas
    SABOR DA NATUREZA – Em Manaus, Artur Coimbra comanda a linha de produção do chocolate orgânico Na’kau, comprando a preços justos o cacau plantado entre árvores nativas e colhido por trinta comunidades locais e duas aldeias indígenas (Photocadismo/.)
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    Enormes extensões da Amazônia continuam a sofrer os efeitos da exploração desenfreada (veja o gráfico) — só em 2022, foram destruídos 10 781 quilômetros quadrados, um recorde. Mas o governo tem tomado medidas para resgatar a agenda ambiental, atropelada na gestão de Jair Bolsonaro, e os empresários, atraídos pelas oportunidades da economia verde, voltam os olhos — e os investimentos — para o desenvolvimento sustentável. De todos os negócios envolvidos, o mais rentável, nas projeções atuais, é justamente o mercado de créditos de carbono, embalado globalmente pela meta estabelecida no Acordo de Paris de limitar a 1,5 grau a elevação da temperatura do planeta em relação ao período pré-industrial. Para isso, será preciso cortar as emissões de CO2 à metade até o fim da década e zerá-las até 2050. Com tão exíguo prazo, multiplicam-se os projetos de reflorestamento e preservação de áreas intocadas — a moeda de troca dos tais créditos. “Nos últimos dois anos, investiu-se 1 bilhão de reais em restauro de matas amazônicas, algo inédito”, afirma Roberto Waack, presidente do conselho do Instituto Arapyaú, que promove a sustentabilidade na floresta.

    O Brasil ainda explora menos de 1% de seu potencial de sequestro de carbono porque, ao contrário de Europa e Estados Unidos, não tem um mercado regulado. Mesmo assim, a expectativa de avanço exponencial — prevê-se que o setor cresça 100 vezes até 2050 — já atrai gigantes do PIB nacional. Em fevereiro, a Biomas, empresa formada pela Suzano, Vale, Marfrig, Itaú, Santander e Rabobank, iniciou um projeto que contempla o plantio de 2 bilhões de árvores, suficientes para cobrir de verde uma área equivalente ao estado do Rio de Janeiro. A Re.green, que tem entre os sócios a Gávea Investimentos, de Arminio Fraga, e a BW, dos Moreira Salles, ganhou uma injeção de 390 milhões de reais para recuperar áreas destruídas. Maior do segmento, a Biofílica Ambipar, com 2 milhões de hectares sob proteção, também planeja expansão. “Utilizamos drones e inteligência artificial para acelerar a recuperação da floresta”, diz Peter Fernandez, da Mombak, que acaba de captar 235 milhões de reais.

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    Previsto para ser apresentado nas próximas semanas, o chamado Plano de Transição Ecológica, conjunto de medidas elaboradas pelo Ministério da Fazenda, prevê a bem-vinda criação de um marco regulatório para destravar o setor, ainda enredado na falta de regras e na burocracia. Pode ser um passo decisivo na busca de negócios com chances de emergir da tremenda diversidade de folhas, frutas, plantas e raízes amazônicas de valor comprovado. Apesar da péssima logística — as poucas estradas ficam intransitáveis de novembro a maio, quando chove sem parar —, a floresta tem potencial para gerar 1,3 trilhão de reais em faturamento industrial por ano, até 2050, segundo a Associação Brasileira de Bioinovação. O produto mais bem-sucedido até aqui é o açaí, cujas exportações cresceram extraordinários 15 000% em duas décadas (até Oprah Winfrey virou garota-propaganda) e hoje movimentam 15 bilhões de dólares. Mas há, entre as árvores, uma infinidade de outros itens afeitos a alavancar áreas como genética, farmacêutica e alimentação.

    EXECUTIVA DO VERDE - Engenheira florestal, Luciana Di Paula faz inventários minuciosos para descobrir as potencialidades da mata na Fazenda Pacajá, no Pará, e promove inclusão social em povoados ribeirinhos
    EXECUTIVA DO VERDE – Engenheira florestal, Luciana Di Paula faz inventários minuciosos para descobrir as potencialidades da mata na Fazenda Pacajá, no Pará, e promove inclusão social em povoados ribeirinhos (Platô Filmes/.)

    Responsável por exportar cinquenta tipos de produto para 69 países, a companhia 100% Amazônia inaugurou uma fábrica dotada de robôs capazes de extrair aditivos químicos e processar frutos e raízes. “Submetemos cada componente a até um ano de pesquisas”, diz a presidente da empresa, Fernanda Stefani. A bioeconomia é rigorosa com seus empreendedores, que têm de exercitar práticas justas de comércio com as comunidades e conviver harmoniosamente com a floresta. Quem acata vê resultados. Artur Coimbra, dono da marca de chocolate orgânico Na’kau, de Manaus, planta cacau em meio a árvores nativas, imune às pragas. “Nossa produção beneficia trinta comunidades e duas aldeias indígenas”, afirma.

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    TECNOLOGIA NA MATA - Além do maquinário usual, a Mombak utiliza recursos avançados, como inteligência artificial e drones, para acelerar o replantio de espécies nativas em áreas desmatadas para dar lugar a pastagens
    TECNOLOGIA NA MATA – Além do maquinário usual, a Mombak utiliza recursos avançados, como inteligência artificial e drones, para acelerar o replantio de espécies nativas em áreas desmatadas para dar lugar a pastagens (./Divulgação)

    Exemplar no desenvolvimento de seu potencial ecológico, o Brasil tem nas fontes renováveis 78% de sua matriz energética. A produção hidrelétrica segue em primeiro lugar, mas a energia solar bateu recorde este ano e é a segunda maior geradora de eletricidade. Ponto de inflexão de economias em todo o mundo, o “choque do petróleo” de 1973, quando os preços do produto até então baratíssimos foram às alturas, levou à criação do Proálcool, para intensificar a produção de álcool combustível (etanol) e substituir a gasolina. A crise passou, mas o etanol continuou a abastecer os carros e, por ser menos poluente, fez baixar as emissões de CO2 aqui muito antes de o debate climático existir.

    RECORDE - Usina de energia solar em Manaus: a segunda maior fonte no país
    RECORDE - Usina de energia solar em Manaus: a segunda maior fonte no país (Antonio Pereira/Semcom/.)
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    Agora, o desafio é zerar o desmatamento até 2030, promessa feita pelo presidente Lula que, se levada a efeito, vai derrubar pela metade as emissões de carbono remanescentes. “Podemos ser os primeiros do mundo a cumprir o Acordo de Paris. E ainda ganhar bilhões de reais com a floresta preservada”, afirma o climatologista Carlos Nobre, do Instituto de Estudos Avançados da USP, que se empenha para viabilizar o Instituto de Tecnologia da Amazônia (AmIT), instituição de pesquisa nos moldes do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) americano. Na economia verde, o Brasil pode ser um farol. É torcer para que, ao contrário de outras esperanças perdidas, esse futuro aconteça.

    Publicado em VEJA de 2 de agosto de 2023, edição nº 2852

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