Como o aumento das temperaturas já começa a ameaçar a vida no planeta
Líderes vêm sendo pressionados a aumentar a ambição com relação à descarbonização de suas economias e a redução de emissões de gases de efeito estufa
Em muitas regiões do planeta o aquecimento global é um conceito palpável no dia a dia. É o caso do Ártico, onde espécies como o urso-polar ficam cada vez mais ameaçadas pela diminuição de seu hábitat. De acordo com informações divulgadas pelo Centro de Dados dos Estados Unidos sobre Gelo e Neve (NSIDC), o gelo do Mar Ártico ultrapassou sua extensão mínima para 2021, chegando a 4,72 milhões de quilômetros quadrados em 16 de setembro. O gelo ficou muito próximo da medida de 3,82 milhões de quilômetros quadrados apontada no ano passado, a segunda pior em quase 43 anos de registros de satélite. Podia ser um sinal positivo, mas não é. O número está abaixo das expectativas e cientistas dizem que a tendência a longo prazo é de uma cobertura de gelo cada vez menor. “A média de todos os anos está diminuindo constantemente, enquanto a temperatura média global está aumentando”, diz o cientista-chefe da organização Polar Bears International, Steven Amstrup. Ele acrescenta que, embora possa haver maior extensão de gelo em um determinado ano, a frequência de anos de gelo “ruim”, aquele com uma extensão mínima de gelo marinho, está cada vez maior. “Melhores anos de gelo são cada vez mais anômalos na tendência a longo prazo”, explica.
Se a sociedade do século XXI começa finalmente a despertar para a iminência de uma crise climática, cientistas do século XIX já debatiam as possíveis consequências do efeito estufa e de mudanças no clima. Em 1856, a cientista americana Eunice Newton Foote fez um experimento com diferentes tipos de gases, incluindo o CO2, aprisionados em cilindros de vidro com um termômetro dentro do recipiente. Ela colocou os cilindros em diferentes condições de temperatura e percebeu que o recipiente que continha CO2 e vapor de água tornou-se mais quente e reteve o calor por mais tempo na sombra. Naquele ano, ela escreveu que “uma atmosfera com esse gás daria à nossa Terra uma alta temperatura”. Em 1896, o físico sueco Svante Arrhenius criou o primeiro modelo de mudança do clima. Durante todo o ano anterior, ele se debruçou sobre cálculos e chegou a uma impressionante previsão: se a quantidade de CO2 na atmosfera dobrasse, isso aumentaria a temperatura do mundo em 5 a 6 graus. Previu ainda que os níveis de CO2 na atmosfera aumentariam 50% no período de 3 000 anos. Nesse ponto ele errou. Em apenas 100 anos, o nível atingiu mais de 30%.
Às vésperas do início da COP26 em Glasgow, no Reino Unido, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), braço da Organização das Nações Unidas (ONU), divulgou o primeiro capítulo de um novo relatório sobre a situação global. O documento reforça aquilo que cientistas vêm alertando há décadas: o aumento da temperatura média global foi causado por ações humanas. De acordo com o IPCC, “muitas das mudanças observadas no clima não têm precedentes em milhares, senão centenas de milhares de anos, e algumas das mudanças em andamento, como o aumento do nível do mar, são irreversíveis ao longo de centenas a milhares de anos”. O Acordo de Paris, o principal tratado climático internacional, tem como meta manter o aumento da temperatura do planeta em 2 graus, fazendo o possível para que não ultrapasse 1,5.
As ações humanas entram nessa equação a partir das medições que mostram o aumento das emissões de gases de efeito estufa desde o período pré-industrial. Independentemente das emissões, o efeito estufa é imprescindível para manter a temperatura ideal na Terra para a existência de vida. A concentração de gases causadores desse fenômeno, como o CO2, na atmosfera retém calor no planeta. Contudo, com a queima desenfreada de combustíveis fósseis, como petróleo e carvão, a sociedade emitiu muito mais do que o planeta consegue absorver de forma natural, o que aumentou a retenção de calor na atmosfera e levou à elevação da temperatura do planeta. Além disso, o desmatamento é outra grande fonte de emissão desses gases, desequilíbrio que acontece no Brasil atualmente. De acordo com um estudo realizado pela plataforma digital Carbon Brief, o país é responsável por cerca de 4,5% de todas as emissões que aconteceram no período entre 1850 e 2021. O estudo destaca ainda que, desde 1850, foram jogados na atmosfera um total de 2,5 trilhões de toneladas de CO2.
Os efeitos do aquecimento global são perceptíveis mesmo para quem é leigo no assunto. O Brasil vive a pior crise hídrica do século. Como consequência da falta de chuvas, cidades do interior de São Paulo foram surpreendidas por tempestades de areia causadas pela combinação entre solo seco, desmatamento, ventos fortes e a seca intensa. Neste ano, o Hemisfério Norte foi atingido por ondas de calor que levaram os termômetros a se aproximarem de 50 graus no Canadá e nos Estados Unidos. Na Europa, enchentes deixaram mais de 100 mortos e 1 000 desaparecidos na Alemanha e na Bélgica. Em julho, um detalhado relatório divulgado pelo Arctic Monitoring and Assessment Programme, grupo que reúne pesquisadores do mundo todo, mostrou que, entre 1971 e 2019, a temperatura do Ártico subiu 3 graus, o triplo do resto do globo. Cada região do planeta sente os efeitos das mudanças do clima de maneira diferente. Secas, tempestades e ondas de calor aconteceram em outros momentos da história. A diferença é que, com a elevação da temperatura média da Terra, os eventos extremos se tornarão cada vez mais frequentes e intensos.
De acordo com um recente estudo publicado na revista científica Nature, que usou técnicas de inteligência artificial para mapear 100 000 pesquisas de impacto climático, os impactos antrópicos, aqueles causados por humanos, podem estar ocorrendo em 80% da área terrestre do mundo, onde 85% da população reside. Segundo um dos autores do estudo, Max Callaghan, pesquisador de dados do Instituto de Pesquisa Mercator em Global Commons e Mudanças Climáticas, as provas dos impactos das mudanças climáticas são contundentes.
Para que o mundo consiga atingir as metas previstas no Acordo de Paris, a economia global precisa mudar. Por isso, líderes internacionais vêm sendo pressionados a aumentar a ambição com relação à descarbonização de suas economias e a redução de emissões de gases de efeito estufa. Essa é uma das principais expectativas para a COP26: definir as regras do Acordo de Paris, principalmente no que diz respeito ao Artigo 6, que fala sobre mercado de carbono, e garantir a meta global de emissões net zero, quando há redução total na geração de gases. Caso o objetivo não se concretize, a vida será muito mais difícil.