Em filmes de ficção científica cujas histórias se passam na Terra em futuro distante, é comum ver o ser humano tentando sobreviver em meio a ambientes hostis e tendo como inimigos criaturas de outros mundos que tentam dominar o que sobrou. Mas, independentemente do enredo, o homem continua senhor do planeta. Os invasores são os outros. É mesmo difícil imaginar um tempo no qual a espécie humana seja ela própria a estranha no planeta. Porém, segundo a previsão de um grupo internacional de cientistas, caso a humanidade não alcance as metas estabelecidas pelo Acordo de Paris, no ano 2500 seremos nós os aliens. Até lá, as condições climáticas terão se modificado tanto que não permitirão a vida humana tal qual ela é conhecida hoje. Para continuar habitando o globo, o homem precisará recorrer a várias formas de adaptação, exatamente como faz um visitante fora de casa, porém em uma dimensão absolutamente brutal.
O panorama está descrito no artigo publicado na recente edição da Global Change Biology, periódico científico especializado na divulgação de estudos que versam sobre alterações ambientais e impactos nos sistemas biológicos existentes. Os autores são cientistas das universidades canadenses McGill e de Montreal, das inglesas Sheffield, Leeds e Oxford e da americana Universidade de Nova York. A pluralidade de acadêmicos envolvidos na pesquisa ajuda a entender sua importância do ponto de vista planetário e a urgência na produção de conhecimento sobre os fenômenos pelos quais o mundo poderá passar. Os resultados obtidos, aliás, chegam em um momento decisivo. No domingo 31, começa em Glasgow, na Escócia, a COP26, reunião realizada pela Organização das Nações Unidas tida por estudiosos como a última chance da humanidade para impedir a catástrofe climática.
Em geral, projeções do futuro do mundo, a se manter as transformações no clima, chegam ao ano 2100. E elas já são assustadoras. O time decidiu ir além exatamente para vislumbrar o que pode acontecer muito depois se a queima de combustíveis fósseis e a emissão de gases do efeito estufa forem mantidas ao ritmo atual. A premissa, no entanto, foi a de que a humanidade resistirá até lá. “Presumimos que os humanos existam e mostramos os ambientes nos quais eles podem ter de aprender a viver e as tecnologias de que precisarão”, disse a VEJA Christopher Lyon, pesquisador na universidade McGill, cientista visitante na Universidade de Leeds e autor principal do trabalho.
As projeções basearam-se em três cenários, considerando o grau de mitigação das mudanças climáticas a ser empreendido daqui por diante. O primeiro contou com a obediência aos objetivos colocados pelo Acordo de Paris. Assinado em 2015 por 195 nações, o trato determina a manutenção do aumento da temperatura entre 1,5 e 2 graus em relação aos níveis pré-industriais. Neste caso, as temperaturas seriam similares às atuais e nada de muito diferente ocorreria. Os outros dois tomaram por princípio o não atingimento das metas. Se isso acontecer, em cinco séculos a temperatura estará 5 graus mais alta. Em algumas regiões, poderá ser pior. “O aquecimento no Ártico está ocorrendo duas vezes mais rápido do que isso”, alerta Lyon.
Pelo modelo, a maior parte da África, da Amazônia, da Península Arábica, do Sudoeste da Ásia e o norte da Austrália passarão metade do ano registrando temperaturas acima de 38 graus, nível a partir do qual já ocorre o chamado stress por calor, condição fisiológica que, a depender da intensidade, é fatal para os seres humanos. Hoje, essas áreas experimentam mais de 38 graus em níveis que vão de zero a 25% do ano, caso da Península Arábica. Portanto, as consequências das alterações seriam impressionantes. Se esse cenário se confirmar, ecossistemas riquíssimos como o amazônico ficarão estéreis. Os espaços para a agricultura serão reduzidos e o cultivo se concentrará nas áreas próximas aos polos. Roupas e recursos tecnológicos capazes de proteger o ser humano serão imprescindíveis para viabilizar a vida. É desesperador, como mostram as ilustrações gráficas que acompanham as projeções. Ainda dá tempo de impedir tamanha tragédia. Mas é preciso correr.
Publicado em VEJA de 3 de novembro de 2021, edição nº 2762