Limpa e renovável, a energia eólica cresce de forma indiscutível no país. Em uma década, a capacidade de geração das usinas instaladas aumentou dezoito vezes, com 686 parques em doze estados, a maioria na Região Nordeste. Graças aos gigantescos moinhos de vento, o Brasil deixou de emitir 21,2 milhões de toneladas de gás carbônico, o equivalente ao volume despejado na atmosfera anualmente por 21 milhões de carros, segundo os dados da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica). É um cenário alvissareiro em meio à crise climática que assola o planeta e indica que alternativas energéticas ao petróleo finalmente deixaram de ser promessas para se tornarem competitivas do ponto de vista econômico. Mas bons ventos também podem trazer turbulência. Os parques eólicos têm provocado no Brasil e mundo afora ávidas disputas por áreas livres para sua instalação e a escalada nos preços de materiais usados na construção de rotores, geradores e hélices. Fenômeno semelhante acontece em outras áreas ligadas à energia limpa, como a de painéis de energia solar e na produção de veículos híbridos e elétricos.
Em meio à corrida para redução das emissões de gases provenientes de combustíveis fósseis, a procura por materiais e produtos para geração de energia elétrica passa por uma movimentação sem precedentes. Mais eletricidade significa maior demanda por cobre para as linhas de transmissão e materiais como lítio, níquel, cádmio e cobalto para baterias. Nos últimos doze meses o preço do cobre aumentou 70%, enquanto o do lítio praticamente dobrou de valor. Antes incluídos nas categorias de minerais raros, níquel, cádmio e cobalto hoje são estrelas entre as commodities globais, com valorização contínua — estima-se que matérias-primas como essas correspondam a 70% do custo de uma bateria, ante 50% de dez anos atrás. “O vento e o sol são abundantes em quase todo o planeta, mas algumas matérias-primas necessárias para tornar esses recursos fontes de energia relevantes não são tão disponíveis assim”, diz Roberto Schaeffer, professor de economia da energia do Programa de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ. “Isso sem contar que boa parte desses produtos provém de regiões em países em desenvolvimento, sujeitas a instabilidades.”
Tratados internacionais como o Acordo de Paris, de 2015, ambicionam alcançar um cenário em que as temperaturas globais não ultrapassem 2 graus acima da média registrada no período pré-industrial. Para alcançar esse compromisso será necessário um esforço inédito. No passado, transições como a do carvão para o petróleo ocorreram de forma lenta e gradual, com as fontes de energia coexistindo por longa data. Hoje, o que se propõe é o abandono quase completo de um modelo em direção a outro. De acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA), para realizar a ruptura no ritmo desejado, com rápida expansão das fontes de energia renovável até 2030, os investimentos no setor terão de superar 4 trilhões de dólares, três vezes a média dos últimos cinco anos.
Obviamente, boa parte desses recursos virá de investidores privados. Mas é fato que os governos terão um papel decisivo nessa transição de modelo energético. Tal protagonismo se dará principalmente no ambiente regulatório e com a garantia das condições de investimentos. “É necessário que as circunstâncias para que a transição ocorra sejam estabelecidas, com o governo administrando riscos, fiscalizando atividades predatórias e incentivando a produção adequada”, diz o economista Carlos Eduardo Young, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Mas, atualmente, no Brasil, estamos destruindo essa capacidade do Estado de coordenação da gestão ambiental”, avalia.
Os avanços na geração de energia devem se acelerar nas próximas décadas. Hoje, 5% dos carros novos vendidos no mundo são elétricos, porcentual que deve chegar a 60% em 2030. Assim como aconteceu com o desenvolvimento da tecnologia que alavancou empresas como a fabricante de carros elétricos Tesla, as indústrias buscam fórmulas para se proteger da oscilação nos preços e na oferta de matérias-primas. Substituição de materiais, reciclagem, investimento em inovação e novas formas de extração fazem parte do repertório de alternativas atualmente avaliadas por cientistas, empresários, investidores e governos. O fato é que, mesmo com os gargalos atuais, o avanço da energia limpa sobre o petróleo é irreversível.
Publicado em VEJA de 30 de junho de 2021, edição nº 2744