O escritor e filósofo alemão Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832) escreveu romances consagrados como Fausto e ensaios sobre botânica. Em sua obra A Metamorfose das Plantas (1790), Goethe afirma que elas são a base da qual todas as outras formas de vida dependem. O naturalista ressalta o papel crítico desses seres como produtores primários, convertendo energia solar em química por meio da fotossíntese, um processo que dá origem a diversas cadeias alimentares e ecossistemas. Essa perspectiva não mudou, embora os humanos tenham, ao longo da história, menosprezado o efeito benéfico das plantas para o planeta. Mas isso começa a ganhar novos contornos.
Estudos recentes mostram que as plantas representam cerca de 80% da biomassa da Terra (peso total de organismos vivos no planeta), enquanto os animais respondem por modesto 0,4%. “Paradoxalmente, a pesquisa científica inverte essa proporção: a maioria dos estudos foca em animais, negligenciando outras espécies”, disse a VEJA o biólogo italiano Stefano Mancuso, autoridade mundial em botânica e um dos principais responsáveis pelo resgate histórico das plantas. “Esse desequilíbrio nos impede de compreender como a vida funciona e nos cega para as extraordinárias soluções que as plantas oferecem.”
A cegueira se estende por outros campos da vida. Segundo Mancuso, as sociedades foram concebidas a partir da estrutura animal. O modelo hierárquico e piramidal das organizações humanas reflete a lógica dos animais, sempre com um líder no topo. A estrutura das plantas, por outro lado, é mais moderna e democrática, com funções descentralizadas e distribuídas. “É um vício do ser humano ignorar as leis naturais”, diz Mancuso. “Estamos seguindo um caminho que nos afasta das práticas comunitárias estabelecidas ao longo de milhares de anos de história humana e das leis fundamentais da natureza.”
As plantas têm uma extraordinária capacidade de criar comunidades. Quando entramos em florestas como a Amazônica ou a Mata Atlântica, o que vemos não são bilhões de árvores individuais, mas uma sociedade interligada por sublimes conexões. Quando uma planta não tem o que precisa para viver, as outras fornecem os recursos necessários. Essas comunidades são o aspecto mais eficiente que a evolução produziu na natureza para garantir a sobrevivência das espécies, permitindo que resistam por dezenas ou centenas de milhares de anos.
Nesse sentido, a riqueza vegetal brasileira tem papel preponderante no combate às mudanças climáticas e ao aquecimento global, talvez mais do que qualquer outra nação. O Brasil abriga a maior floresta do planeta, um dos últimos lugares capazes de absorver grandes quantidades de dióxido de carbono. “A preservação da Floresta Amazônica é crucial para o clima de todo o planeta”, afirma o biólogo italiano. “Se a Amazônia mudar, o planeta inteiro mudará.”
As plantas são vitais porque, afinal, tornam a vida possível. “A fotossíntese, embora fundamental, ainda não é totalmente compreendida pela ciência”, afirma Mancuso. “Se pudéssemos replicar sua eficiência, teríamos assegurado uma fonte de energia limpa e praticamente infinita.” Por isso, aumentar o estudo sobre a extraordinária riqueza das plantas não apenas ampliará o conhecimento humano, mas contribuirá para a preservação de nossa própria existência.
O futuro das cidades é verde
O biólogo italiano Stefano Mancuso, 59 anos, é conhecido por desafiar as visões tradicionais sobre as plantas e promover uma compreensão mais profunda de suas capacidades de manter vivo o planeta Terra. Autor de Revolução das Plantas (2017) e de Nação das Plantas (2020), o professor da Universidade de Florença e fundador do Laboratório Internacional de Neurobiologia Vegetal tem um novo livro no prelo, Fitopolis, la Città Vivente, (Fitópolis, a cidade viva), ainda sem edição brasileira. Na obra, Mancuso defende cidades mais integradas com a natureza e as espécies vegetais.
O que pode falar sobre sua nova obra, Fitopolis, la Città Vivente? O livro imagina o futuro das cidades do ponto de vista do que as plantas poderiam oferecer. Como a maioria da população mundial vive em centros urbanos que são insustentáveis, ele explora como podemos integrar melhor a vegetação nas cidades para torná-las mais habitáveis e sustentáveis. As plantas têm inteligência e capacidades que muitas vezes subestimamos, e podemos aprender muito com elas para aprimorar a vida urbana. Há no mundo exemplos de iniciativas inovadoras, como as realizadas na cidade de Curitiba pelo ex-prefeito Jaime Lerner.
Por que é importante repensar as cidades do ponto de vista da sustentabilidade? A urbanização é uma das grandes revoluções da humanidade que passou despercebida. Hoje em dia, mais de 80% da população nas Américas e na União Europeia vive em cidades, que representam menos de 2% do território do planeta. As cidades são responsáveis por 75% das emissões de dióxido de carbono, 70% dos poluentes e consomem 80% dos recursos. Portanto, é crucial transformá-las em algo diferente e mais sustentável, integrando, de uma forma mais equilibrada, a natureza e as plantas ao ambiente urbano.
Como o senhor vê o futuro da relação entre seres humanos e plantas? Tenho visto uma mudança positiva nas últimas duas ou três décadas. Atualmente, há um número cada vez maior de pessoas que entendem que a perda de conexão com a natureza é uma das questões mais perigosas para a nossa própria sobrevivência. Felizmente, a relação entre humanos e plantas está mudando. Conceitos como a capacidade das plantas de sentir estão se tornando mais comuns. Acredito que, no futuro próximo, haverá direitos para as plantas, pois tudo que é vivo merece isso.
Publicado em VEJA de 16 de agosto de 2024, edição nº 2906