O aquecimento global não é fonte de preocupação apenas entre os climatologistas e especialistas em meio ambiente. Nas últimas semanas, cientistas da área de saúde pública também se revelaram pessimistas com o tema. “Os riscos à saúde causados pelas mudanças climáticas podem superar as ameaças à vida impostas por qualquer doença. A pandemia de Covid-19 vai acabar, mas não há vacina contra a crise climática”, declarou recentemente o biólogo Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS). À parte o exagero retórico do comandante da OMS, os impactos das temperaturas extremas sobre o organismo humano impressionam. De acordo com o primeiro grande estudo associando mortes às mudanças climáticas, cerca de 5 milhões de pessoas morrem em decorrência de oscilações de temperatura intensa a cada ano. Isso é quase 10% do total de óbitos registrados anualmente entre 2000 e 2019.
Realizado por pesquisadores da Universidade Monash, na Áustria, e da Universidade Shandong, na China, o levantamento foi publicado em julho na revista científica The Lancet Planetary Health. Cerca de 2,6 milhões de óbitos ocorrem na Ásia (1 milhão na China), 1,2 milhão na África e 835 000 na Europa. Os índices foram apurados após a análise de dados de 43 países de todos os continentes. A investigação revelou ainda que dezessete enfermidades podem ter origem ou ser agravadas por causa das variações de temperatura, o que inclui doenças cardiovasculares, alergias, diabetes e complicações pulmonares. A perspectiva é que a elevação de temperatura decorrente do aquecimento global passe a ser determinante para a perda de vidas.
Em situações de stress por calor, o corpo humano reage redistribuindo a circulação sanguínea em direção à pele. Com isso, o calor dos músculos é transferido para a superfície corporal na forma de suor. Esse processo provoca vasodilatação, causando queda abrupta e intensa de pressão arterial. Além disso, exige que o coração bombeie sangue rapidamente, o que aumenta a demanda por oxigênio pelas células cardíacas. Em indivíduos com patologias no coração, há risco de a demanda de oxigênio requerida pelas células não ser suprida adequadamente. “Se a situação se prolonga por muito tempo, ocorre o chamado stress térmico”, explica Sandra Hacon, pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Entre os eventos prováveis que podem resultar da sobrecarga estão infarto e, em última instância, colapso cardíaco e morte.
Além do impacto direto sobre o organismo, o desequilíbrio climático contribui para o aumento de doenças transmitidas por vetores, como dengue e malária (mosquitos Aedes aegypti e Anopheles, respectivamente). “Essas implicações são extremamente graves”, alerta Jean Ometto, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. A ascensão das mudanças climáticas à condição de urgência levou a um movimento inédito na tentativa de chamar a atenção para o assunto às vésperas da COP26. No dia 8 de setembro, 253 publicações científicas, entre elas The Lancet, The New England Journal of Medicine e The British Medical Journal, veicularam um mesmo editorial conclamando líderes globais a agir rápida e efetivamente contra o aquecimento global. “A maior ameaça é o fracasso contínuo dos líderes mundiais em manter o aumento da temperatura global abaixo de 1,5 grau centígrado”, escreveram cientistas de dezenove países, entre eles o Brasil. Um sinal claro de que há risco e ele não é pouco.