Um animal imponente — tal qual um leão —, de listras verticais em tom alaranjado e nadadeiras que lhe concedem um aspecto elegante vem aterrorizando os mares brasileiros. Antes restrito a águas dos oceanos Índico e Pacífico, ele se espalha velozmente e ameaça não apenas os seus pares aquáticos, mas humanos que ousarem cruzar o seu caminho. Trata-se do Pterois, mais conhecido como peixe-leão, espécie carnívora, feroz, de reprodução fértil e difícil contenção. Acima de tudo, é um viajante inconveniente. O primeiro avistamento fora de seus domínios se deu na região da Flórida, nos Estados Unidos, em 1985. Mais tarde, foi achado em maior número depois que o furacão Andrew destruiu um aquário à beira-mar. Não demorou para que as correntes marítimas o levassem até o Caribe, onde causou enormes danos. Agora sua presença ostensiva assusta os ambientalistas brasileiros.
No Brasil, sua primeira aparição ocorreu no Arraial do Cabo, no Rio de Janeiro, em 2014, mas ninguém levou o perigo a sério: achava-se que era apenas um exemplar desgarrado. Em 2022, contudo, foi encontrado em diversos estados do Nordeste. O mais recente flagrante foi feito por mergulhadores no Parque Marinho da Pedra da Risca do Meio, uma unidade de conservação de Fortaleza, no início de novembro. Antes, em abril, na Praia de Bitupitá, em Barroquinha, no Ceará, um pescador pisou acidentalmente no peixe e teve de ser internado com múltiplas perfurações que causaram dores e convulsões. Também há registros recentes de sua passagem por praias do Piauí.
O que torna o animal tão nocivo? Basicamente, é o fato de ser um predador voraz (pode comer até vinte peixes ou crustáceos em apenas meia hora) e possuir espinhos altamente venenosos. “É uma ameaça à ecologia, porque se alimenta das espécies nativas e pode causar um desequilíbrio ambiental e econômico, pois afeta a pesca e a saúde pública”, afirma Luís Ernesto Arruda Bezerra, cientista-chefe da Secretaria do Meio Ambiente do Ceará e professor do Instituto de Ciências do Mar (Labomar/UFC). Ele diz que o peixe-leão chegou ao Nordeste depois de nadar por águas doces da Amazônia. Há motivos de sobra para preocupação. “A previsão é de que até março de 2023 ele chegue a Pernambuco e depois ao litoral de São Paulo e do Rio Janeiro”, projeta o especialista.
É provável, portanto, que se espalhe por todo o país, causando danos, mas de magnitude ainda imprevisível. Até o momento, foram reportados 227 peixes-leão em águas brasileiras (48% no Nordeste, 14% no bioma amazônico e 38% na Ilha de Fernando de Noronha), sendo oito em áreas de proteção ambiental. No Pacífico e no Caribe, o peixe-leão tem predadores naturais — tubarões e moreias —, mas no Brasil nenhum animal ainda o reconhece como presa. “Uma opção seria a garoupa, mas esse também é um peixe com poucos exemplares no país”, diz Bezerra.
Diante disso, o que deve ser feito é controlar a proliferação e a movimentação do incômodo animal — antes que seja tarde. Cientistas e pesquisadores montaram uma rede colaborativa, com aplicativos e outros dispositivos, para orientar pescadores a notificar as aparições, capturar os peixes-leão e enviá-los para estudos. Se um humano se ferir, recomenda-se jogar água quente no local por meia hora. A ingestão do bicho não é indicada, pois ele pode estar contaminado e seu manuseio traz riscos. Bezerra afirma que o controle no Brasil é mais desafiador, pois nossas águas são turvas e os ventos em determinadas épocas do ano dificultam a navegação. Em breve, a Secretaria do Meio Ambiente do Ceará deverá lançar uma instrução normativa para permitir que o peixe-leão possa ser capturado em áreas de conservação, de modo que os parques não se tornem um refúgio para o predador. Há muito a ser feito e as instituições precisam de investimento para conter os perigos que o novo rei dos oceanos oferece.
Publicado em VEJA de 30 de novembro de 2022, edição nº 2817