O projeto que vai transformar o espaço público de Nova York
A ideia é devolver parte das vias aos cidadãos de forma sustentável e ecologicamente correta
Durante a pandemia, as ruas de Nova York praticamente esvaziaram-se, igualando uma das cidades mais movimentadas do mundo às metrópoles fantasmas das obras de ficção futurista. Com o fim das restrições sanitárias e o relaxamento das medidas de distanciamento, recentemente a população reocupou as artérias da megalópole a pé, com carros e de bicicleta. Com a demanda reprimida, quase 10 000 quilômetros de vias voltaram a pulsar novamente. As propostas para o problema de como dividir esses espaços e a quem se deve privilegiar retornaram à cena e certamente ditarão o que acontecerá no resto do mundo. A palavra de ordem, não há dúvida, é sustentabilidade.
Concebido pela Transportation Alternatives, um desses projetos, o NYC 25×25, pretende devolver as ruas e calçadas às pessoas. Segundo a organização, mais de 75% do espaço público é dedicado a condução e estacionamento para carros. Além dos milhares de quilômetros de vias públicas, há 3 milhões de áreas reservadas para estacionamento. É exagero, já que uma minoria de nova-iorquinos tem automóvel — menos de um em cada quatro dirige até o trabalho —, enquanto a grande maioria caminha, usa bicicleta e pega transporte público para chegar aonde precisa ir.
A proposta é converter, até 2025, um quarto do naco atual destinado às maquinas em espaço para pessoas, colocando cada nova-iorquino a menos de 500 metros de corredores de ônibus, ciclovias e espaços verdes públicos. É uma área equivalente a treze Central Park — ou 22 vezes o país do Mônaco. “Esse tipo de projeto é essencial para que tenhamos grandes cidades mais inclusivas, limpas e amigáveis para as pessoas”, afirma Kelly Fernandes, especialista em mobilidade urbana. “Hoje em dia, estar na rua não é mais prazeroso, e isso precisa ser repensado.”
São muitos os benefícios do plano. Os automóveis de Nova York, como ocorre em qualquer aglomeração urbana, são responsáveis por poluir o ar e, de acordo com estudos consagrados, por desenvolver doenças cardiovasculares e respiratórias. As mortes no trânsito da cidade beiram índices de 300 ocorrências anuais. Tudo isso seria evitado com a instalação das novas estruturas. Além disso, a pegada de carbono cairia consideravelmente. Não por acaso, o NYC 25×25 é apoiado por mais de oitenta sindicatos e organizações, além do próprio prefeito de Nova York, Eric Adams. No mês passado, o político afirmou que “essas ruas são nossas”, assegurando que elas são “um bom lugar para você fazer compras, se sentar, passar um tempo e aproveitar o ar livre”. Nada mais adequado, portanto, do que priorizar a experiência dos pedestres e da população mais ampla.
As regras sanitárias para conter a Covid-9 acabaram mostrando que há espaço para pensar uma cidade mais humana e sustentável. Embora o projeto seja notavelmente ambicioso, os Estados Unidos não são o único país do mundo preocupado com o aperfeiçoamento de suas cidades. Pela Europa, arquitetos e artistas têm se unido para transformar telhados e coberturas de prédios em áreas públicas, dotadas de bancos, placas solares e muitas plantas. Só Roterdã, por exemplo, conta com aproximadamente 14 quilômetros quadrados de espaço nesses telhados.
Outras cidades, como Amsterdã, Belfast e Antuérpia, também têm investido na remodelação desses locais. Em Paris, a recuperação do espaço resultou em um grande aumento no ciclismo no ano passado: seis em cada dez ciclistas parisienses dizem ser inciantes. “Há exemplos de projetos similares em todo o mundo”, diz Kelly Fernandes. No Brasil, cidades como São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro vêm abrindo cada vez mais espaço para as ciclofaixas, embora muitas vezes sua introdução seja feita de forma atabalhoada e apenas para fins políticos. Planos como o de Nova York são uma realidade e apontam para uma tendência capaz de transformar o mundo em que vivemos.
Publicado em VEJA de 15 de junho de 2022, edição nº 2793