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Salvar a natureza: os riscos da crescente mineração do leito marinho

Pesquisadores correm para descobrir e caracterizar espécies desconhecidas que podem ser dizimadas

Por Luiz Paulo Souza Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 8 set 2024, 08h00

Em 1954, o Instituto Oceanográfico Scripps descobriu uma região do Oceano Pacífico que fez brilhar os olhos de exploradores ao redor do mundo. Chamada de Zona Clarion-­Clipperton (CCZ), o local abrigava o equivalente a bilhões de dólares em formações rochosas ricas em minérios de manganês, níquel, cobre e cobalto. Mas havia um problema. O tesouro estava localizado em área considerada patrimônio da humanidade, longe de qualquer jurisdição nacional. Quem, portanto, teria direito a explorar?

A questão foi resolvida em 1994, com a criação da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA), braço das Nações Unidas que faria a regulação da exploração comercial dos leitos oceânicos internacionais. Só que há um outro nó. Só nessa região existem mais de 5 000 espécies de seres vivos, e estima-se que 90% delas são completamente desconhecidas pela ciência. Mesma proporção observada no restante dos oceanos. Agora, para jogar luz sobre esse imenso desconhecido, surge uma alternativa no horizonte.

FUNDO DO MAR - Formas de vida: até 1,8 milhão de seres afeitos a estudo
FUNDO DO MAR - Formas de vida: até 1,8 milhão de seres afeitos a estudo (SOSA/Divulgação)

Tradicionalmente, leva-se cerca de treze anos desde a descoberta até a descrição formal de uma nova espécie marinha, algo que costuma ser feito por apenas alguns membros de um grupo de pesquisa que, ao final do processo, publicam um artigo científico caracterizando a nova espécie. Nesse ritmo serão séculos até que as mais de 1,8 milhão de espécies desconhecidas sejam devidamente conhecidas. Uma nova estratégia, no entanto, pode otimizar esse processo. Por meio de uma colaboração internacional, a Aliança Senckenberg de Espécies Oceânicas (Sosa) conseguiu reduzir para sete anos o tempo necessário para a descrição e aumentar para doze o número de novos indivíduos caracterizados de uma única vez. “Tem muita coisa nova lá embaixo e eu espero que outros grupos se unam em torno desse objetivo comum”, disse a VEJA Fabrizio Machado, professor visitante na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e colaborador da Sosa. “Temos que acelerar esse processo porque essas expedições exploratórias estão destruindo tudo antes que as espécies sejam descobertas.”

As empresas de mineração — já são dezessete contratos aprovados pela ISA apenas na CCZ — afirmam que a exploração do leito marinho é menos prejudicial que o garimpo terrestre, já que os nódulos são coletados utilizando-se um equipamento semelhante a um aspirador de pó, sem a necessidade de grandes perfurações. Um estudo no Japão, no entanto, mostrou que, mesmo assim, o processo é capaz de levantar detritos e perturbar o equilíbrio dessas espécies sensíveis, acostumadas ao silêncio e à escuridão, podendo levar a uma redução de até 43% no número de peixes e camarões desses locais, por meses após a varredura. E não para por aí. Um artigo da revista científica Nature Geoscience, publicado este ano, aponta que essas pedras submersas funcionam como baterias que quebram as moléculas de água — uma importante fonte, até agora desconhecida, de oxigênio. “Na minha opinião, esta é uma das descobertas mais emocionantes da ciência oceânica dos últimos tempos”, afirma o diretor da Associação Escocesa de Ciências Marinhas, Nicholas Owens. “A descoberta da produção de oxigênio através de um processo não fotossintético nos obriga a repensar a forma como a evolução da vida complexa no planeta ocorreu.” Certamente, também obriga a repensar as possíveis consequências de retirar esses minérios e, por extensão, dar um fim a esse processo cuja função para o meio ambiente ainda é pouco conhecida.

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arte exploração mineral

A conclusão pode parecer óbvia, mas tomar uma decisão sobre encerrar ou não esse tipo de exploração é mais complexo do que se imagina. Para além do potencial econômico, essa mineração também supriria uma demanda evidente. Até agora, os depósitos terrestres foram suficientes para as necessidades humanas, mas, à medida que crescem os apelos por uma acelerada transição energética, o consumo de minérios deve aumentar cerca de seis vezes, seja para a fabricação de baterias e carros elétricos, seja em função da adaptação das plantas para a geração e transmissão de energias renováveis. Some-se a isso, ainda, o imparável consumo de dispositivos eletrônicos e a crescente demanda por processamento computacional por parte das ferramentas de inteligência artificial — até agora, um problema sem solução. Após séculos de exploração indiscriminada e progresso incondicional, a natureza cobra seu preço. Fazer com que os seres humanos acordem para a necessidade de se ajustar aos seus limites de forma a suprir de modo razoável nossas carências exigirá cálculos complexos e uma mais que urgente harmonia entre os povos.

Publicado em VEJA de 6 de setembro de 2024, edição nº 2909

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