Nessa briga do rochedo contra o mar que caracteriza a relação do Congresso com o governo Jair Bolsonaro, o esvaziamento do chamado Centrão com a saída de quatro partidos (MDB, DEM, PROS e PTB) do bloco que reunia nove legendas é mero detalhe. Tem valor mais simbólico que real porque a situação formal nunca correspondeu à prática na contabilidade de votos favoráveis aos intentos do Palácio do Planalto.
O enorme destaque dado no noticiário político decorre de dois fatores: o interesse de democratas e emedebistas em valorizar o gesto e o uso de um critério de avaliação cuja validade se perdeu na atipicidade desta legislatura. O Executivo nunca teve tão pouca influência nos trabalhos do Parlamento, que por sua vez nunca atuou com tanta autonomia desde a Constituinte. Lá se vão mais de três décadas dedicadas à subserviência em maior ou menor grau, variações entre boas e más intenções, a depender do ocupante da chefia da nação.
O alvoroço partiu do princípio de que o governo contava com o apoio consistente daqueles 200 e tantos deputados e que agora se bandearam para a oposição, explodindo a base congressual. Ora, para isso ter acontecido seria necessário que o presidente em algum momento tivesse tido uma base de apoio. Não teve, não tem, nem terá.
Por isso perdeu e continuará perdendo incontáveis batalhas, assistindo a derrubadas de quantos vetos o Congresso quiser derrubar. Algo inimaginável tempos atrás, quando o habitual era o adormecimento de vetos presidenciais nas gavetas do Parlamento. Houve época em que se acumularam mais de 2 000. Mas isso aconteceu quando o Legislativo atuou como puxadinho do Planalto. Não é o caso agora.
“O esvaziamento do Centrão não altera a situação do Executivo, que continuará sem grande ascendência sobre o Legislativo”
Temos um governo fraco, desarticulado e sem projeto. Nessas condições, o resultado é um Congresso forte. É uma regra de ouro na dinâmica do equilíbrio entre os poderes, seguida de maneira especialmente acentuada neste governo devido a características do presidente, mas também dos meios e modos adotados por ele.
Um sistema todo errático, cujo ponto de partida foi a opção de se apresentar ao eleitorado e depois aos governados como contraponto ao Congresso. Nessa versão lá seria o reino dos vícios e ele o rei de todas as virtudes. Firmou-se a lógica do atrito.
Ativista do baixo clero, Bolsonaro escolheu líderes inexperientes e desprovidos de representação (à sua imagem e semelhança) no Legislativo e pôs na articulação política do Palácio um general estranho ao ramo. Não aprendeu como as coisas funcionam no universo dos cardeais e por isso leva deles um baile atrás do outro.
Tentou escantear Rodrigo Maia, deu-se mal; acreditou na lenda da negociação de cargos, levou uma invertida. Vai se sair ainda pior se quiser eleger o próximo presidente da Câmara. Quem quer que seja, a Casa não abrirá mão do protagonismo experimentado, levando na coleira um presidente desarticulado e sem projeto. Como Suas Excelências gostam.
Publicado em VEJA de 5 de agosto de 2020, edição nº 2698