ARTIGO – Por que eu, brasileiro, sou um conservador
Blog liga compreensão do passado familiar, cultural e político à construção do presente
[* Este texto de apresentação me abriu portas nos Estados Unidos e finalmente posso publicá-lo neste blog. Ei-lo, pois.]
Eu nasci no Rio de Janeiro, no Brasil, e me descobri um conservador.
Eis algumas razões pelas quais isto aconteceu:
1) Quando eu era pequeno, e só queria comer biscoito, minha avó me distraía com palavras-cruzadas durante as refeições enquanto me dava comida de verdade na boca.
Adivinhar e associar palavras para cada significado enunciado nas revistas me deu um agudo senso de que cada palavra precisa corresponder a um significado bem definido.
Tomando gosto por descobrir palavras novas para nomear as coisas do mundo, cresci buscando enriquecer meu repertório vocabular em letras de samba, crônicas, contos, poesias e finalmente romances, quando abri os livros deixados nas estantes por vovó.
As palavras e, por conseguinte, a literatura e o conhecimento, assim como o samba, a praia, o futebol, o cinema e as mulheres, felizmente despertaram muito mais meu interesse na juventude do que a política e, pior, a militância precoce.
Quando comecei a ouvir políticos anunciando que chegariam ao poder para promover a “igualdade” entre as pessoas, foi fácil então notar que “igualdade” não era a palavra certa, porque eles precisariam ter mais poder que o restante de nós para fazer isso.
Se eles pretendiam usar esse poder para tirar dinheiro dos ricos e distribuir aos pobres, por que diabos eu deveria acreditar que eles não ficariam com a maior parte desse imenso volume de dinheiro para si próprios e suas campanhas eleitorais?
O objetivo real não podia ser a “igualdade” entre as pessoas. Era o controle sobre elas.
Em nome da “justiça social”, um slogan que arrebanhava multidões de crentes na angelicalidade desses políticos, eles buscavam o controle da extorsão estatal.
Assim como vovó me ajudava com dicas, obviamente precisei da ajuda de intelectuais para descobrir quais eram as palavras certas para descrever os fenômenos que eu observava com ceticismo em meu país.
Informado pelos artigos do filósofo brasileiro Olavo de Carvalho de que faltava a visão conservadora em nosso debate público dominado pela esquerda, tratei de procurar conservadorismo onde ele existia, como na Inglaterra e nos Estados Unidos.
Com ajuda do filósofo inglês Roger Scruton, especialmente no livro de 1986 “Pensadores da Nova Esquerda”, verifiquei que eles estavam muito menos interessados em definir significados dos seus alegados objetivos socialistas do que em apontar inimigos, como a “burguesia” e “as instituições”, contra os quais todos deveriam se unir sob o potencial purificador de uma bandeira moralizadora.
“E justiça social é um objetivo tão irresistivelmente importante, e sem dúvida tão superior aos ‘interesses estabelecidos’ que se opõem a ela, que redime toda ação feita em seu nome”, escreveu Scruton, antecipando, na prática, o desastre político-criminal brasileiro.
Se ser conservador era ter consciência de que herdamos algo de bom e de que as coisas admiráveis são facilmente destruídas, mas não são facilmente criadas, foi fácil me reconhecer como tal até mesmo pelo exemplo do samba.
Os sambistas que eu admirava estavam sempre exaltando os velhos mestres do gênero e lutando para manter vivos seus legados musicais em meio a novos modismos. Que a maioria deles fosse de esquerda politicamente, em nada alterava esses fatos.
Como aprendi com Robert Conquest, outro conservador inglês: “Todo mundo é de direita nos assuntos que conhece.” E eles, sem dúvida, conhecem bem o samba.
Já com o autor americano Dennis Prager, aprendi que quanto maior o governo, menor o cidadão, o que também foi fácil de comprovar pela experiência de 200 anos em meu país da luta do cidadão contra o Estado arbitrário.
Se fosse viva e visse os efeitos ainda mais nefastos do aumento do tamanho e do poder do Estado no Brasil, vovó decerto concordaria com essas palavras, dizendo:
“Agora só mais uma garfada, ok?”
2) Meu pai é oftalmologista.
Cresci vendo-o levantar cedo para ir trabalhar em salas alugadas de consultório e centro cirúrgico; e, quando ele voltava, trabalhava ainda mais no computador.
Mesmo de madrugada, escutava pacientes pelo telefone e, em casos de emergência, abandonava cama, viagem ou lazer para operar quem corria risco de perder a visão.
Famosos cirurgiões brasileiros e estrangeiros ficaram impressionados quando vieram ver meu pai realizando com precisão, em menos de 40 minutos, cirurgias complicadas de retina que muitos se gabavam de fazer em períodos de 4 a 8 horas.
Apesar da imensa burocracia brasileira para quem quer empreender, ele realizou com seus sócios o sonho de construir um hospital de olhos, além de virar membro vitalício da Academia Americana de Oftalmologia e da Academia Nacional de Medicina.
É ainda um dos fundadores do Instituto de Catarata Infantil, entidade sem fins lucrativos que atende famílias de baixa renda para prevenir a cegueira de crianças de 0 a 3 anos por meio da cirurgia precoce da catarata.
Testemunhei em casa, portanto, um exemplo vivo de renúncias, responsabilidades e esforços necessários para a realização de grandes conquistas pessoais que beneficiam o restante da população com oferta de empregos e serviços privados de qualidade, além da experiência multiplicadora de transmissão do conhecimento em salas de aula.
Vi meu pai fazer a diferença na vida de pessoas de todos os níveis de renda.
Quando eu soube que brasileiros como ele tinham de trabalhar cinco meses só para pagar impostos, foi fácil entender que “justiça” não era a palavra certa, especialmente quando ele ironizava a qualidade dos serviços públicos oferecidos em contrapartida:
“Meu filho, você não vê o extraordinário retorno em segurança, educação, saúde, emprego, enriquecimento de pobres e miseráveis…?” Não, pai.
Vejo o Brasil em 1º lugar no ranking mundial de assassinatos com 60 mil por ano e nos últimos em qualidade de educação e serviços de saúde, além das marcas de quase 12 milhões de desempregados e mais de 73 milhões de pobres e miseráveis que o paternalismo estatal não tirou da pobreza nem da miséria, apesar da falsa propaganda.
Após 13 anos de governo do Partido dos Trabalhadores, o Brasil se tornou o quarto país mais corrupto do mundo, atrás apenas de Chade, Bolívia e Venezuela.
Como o governo de um partido de sindicalistas que pregavam “ética”, “igualdade” e “justiça social” nos deixou esse resultado? Aumentando e explorando criminosamente o tamanho e o poder do Estado às custas do cidadão trabalhador.
Os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff criaram milhares de cargos de livre nomeação e de confiança na burocracia estatal, que se somaram aos numerosos já existentes, incluindo os 11 mil das 135, sim, 135 estatais brasileiras.
O mérito do qual dependeu o sucesso de meu pai era dispensável para ocupar esses cargos, em boa parte usados para enriquecimento ilícito, financiamento eleitoral ilegal, compra e venda de influência, favores e apoio político.
O Ministério Público Federal acusou Lula de ter assim montado e comandado o que os procuradores chamaram de “propinocracia”, o governo movido a propina.
Isto inclui o então maior escândalo de corrupção da história do Brasil, que aconteceu, não por acaso, na maior estatal brasileira: Petrobras, a companhia nacional de petróleo, cuja dívida bruta atingiu em 2015 o nível recorde de 506,5 bilhões de reais.
A corrupção agravou o déficit das contas públicas, que atingiu 170,5 bilhões de reais ao término em 2016 do governo de Dilma, afastada após processo de impeachment por ter usado ilegalmente dinheiro dos bancos estatais para financiar o governo.
O tamanho do déficit é consequência do tamanho insustentável do Estado brasileiro.
A despesa pública primária cresceu 51% acima da inflação no período de 2008 a 2015, durante o qual a receita evoluiu apenas 14,5%. Os gastos se tornaram muito maiores do que a arrecadação, levando o Brasil à bancarrota.
Para fazer caixa e recuperar a economia do país, o governo do ex-vice-presidente Michel Temer tratou de criar projetos para limite das despesas públicas, diminuição de ingerência política nas estatais, além de programas de demissão voluntária de seus funcionários e de concessão e privatização de ao menos algumas delas.
Embora a maioria da população brasileira seja conservadora em questões como o repúdio ao aborto, à legalização das drogas e ao desarmamento, isto não implica uma noção clara dos efeitos nocivos do aumento do tamanho e do poder do Estado, muito menos a capacidade de reconhecer e não eleger políticos com essa agenda.
A queda do PT lançou luz sobre a corrupção e a ineficiência decorrentes disso, mas a parte da esquerda que o alçou ao poder e ainda predomina em universidades, escolas, imprensa, show business, mercado editorial e talvez agora até nas palavras-cruzadas culpa outros fatores para tentar apagar essa luz e manter a população no escuro.
Meu pai sempre buscou fazer as pessoas enxergarem melhor. Minha avó sempre amou o conhecimento. Como um conservador que se tornou colunista da maior revista do Brasil e o maior influenciador político no Twitter do país, eu busco honrar o legado de meu pai e minha avó fazendo brasileiros e agora estrangeiros enxergarem que o conservadorismo pode ser uma luz antes de qualquer decisão inconsequente, não apenas um remédio amargo quando tudo o mais fracassou.
Felipe Moura Brasil ⎯ https://gutenberg.veja.abril.com.br/blog/felipe-moura-brasil
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