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Mesmo sem poder para impor decisões, a OMS lidera a luta contra a pandemia

A organização segue em frente mesmo ameaçada de perder o apoio financeiro dos EUA

Por Jennifer Ann Thomas Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 14h57 - Publicado em 17 abr 2020, 06h00

“A Covid-19 não discrimina entre nações ricas e pobres. Ela não faz distinções entre nacionalidades, etnias ou ideologias. Nós também não. Este é um momento para todos nos unirmos na nossa luta em comum contra uma ameaça em comum — um perigoso inimigo. Quando estamos divididos, o coronavírus explora as rachaduras entre nós.” Não, não havia indignação nessas palavras quando o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), o etíope Tedros Adhanom Ghebreyesus, as proferiu na quarta-feira 15. Havia firmeza, sim, mas serenidade diante do anúncio feito por Donald Trump de que suspenderia o apoio financeiro dos Estados Unidos à instituição — algo entre 400 milhões e 500 milhões de dólares anuais, o que representa 14% do orçamento do órgão, ligado às Nações Unidas. A justificativa? Para o republicano, a entidade lidou mal com a pandemia, escondendo a disseminação do vírus, e seria exageradamente colada ao governo chinês. “Os EUA têm sido um amigo antigo e generoso da OMS, e esperamos que continuem assim”, acentuou Adhanom — convicto do que vem fazendo contra o surto.

Não foi o primeiro e não terá sido o último embate entre a OMS e o governo americano. Trump, que acumula erros em sua visão sobre a pandemia — resistiu quanto pôde ao distanciamento social, defendido não só por Adhanom como também pelo principal nome da força-tarefa da Casa Branca contra o surto, o imunologista Anthony Fauci —, parece andar à caça de um culpado pelo número de mortos no país. É um confronto, em certo sentido, particularíssimo: opõe o político mais poderoso do planeta a uma instituição sem poder de mando.

“De fato, a OMS não toma decisões. Trata-se de um órgão técnico e consultivo, cujo papel é traçar diretrizes. No caso do novo coronavírus, a entidade concentrou as informações, analisou-as e alertou as nações sobre a situação”, disse a médica Ana Maria Malik, coordenadora do programa GV Saúde, da Fundação Getulio Vargas, que ajudou na concepção do SUS, em 1988. “Diante da pandemia, a OMS faz recomendações, como o isolamento social e o confinamento. São posições técnicas em relação às quais há evidências científicas. Contudo, determinadas posturas desagradaram a líderes como Trump, sobretudo em ano eleitoral nos Estados Unidos”, afirmou Ana Maria.

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REFERÊNCIA GLOBAL - Agente da entidade na linha de frente do combate ao ebola: atuação na erradicação de surtos (John Moore/Getty Images)

Fundada em 1948, a Organização Mundial da Saúde, sediada em Genebra, é financiada por entidades internacionais, doadores privados, pela ONU e pelos Estados-membros. Cada nação integrante da instituição tem de pagar um valor calculado de acordo com sua riqueza e sua população. Esse total representa cerca de 25% dos recursos do órgão. Ao longo de sua história, a OMS teve papel fundamental, por exemplo, na erradicação da varíola, ajudou a reduzir os casos de poliomielite em 99% e mantém atuação na linha de frente em surtos de ebola. Sempre em consonância com a ciência. Isso nunca a alçou, no entanto, à condição de voz coercitiva, tampouco de polícia do direcionamento das políticas governamentais de saúde mundo afora.

Com a Covid-19 não é diferente. O que mudou na atual pandemia é que, pela primeira vez, a OMS passou a ter um rosto diante da opinião pública planetária: o de Tedros Adhanom. Aos 55 anos, ele é o primeiro africano a assumir o leme da agência. Mestre em imunologia de doenças infecciosas pela Universidade de Londres e doutor em saúde comunitária pela Universidade de Nottingham (Inglaterra), Adhanom, de origem humilde, ganhou notoriedade em estudos sobre a malária e o HIV.

Ao ser empossado no comando da OMS, em 2017 — depois de ter sido ministro da Saúde e das Relações Exteriores em seu país —, o etíope declarou que priorizaria especialmente a cobertura universal de atendimentos e as emergências de saúde. De saída, teve de enfrentar uma grave epidemia de ebola na África, tratada de forma desastrosa por seu antecessor. O surto global da Covid-19 é, com certeza, o maior desafio de Tedros Adhanom. Até aqui, ele tem conseguido a adesão da maioria das nações às diretrizes que defende — com firmeza, sim, mas serenidade — contra um inimigo de todos nós.

Publicado em VEJA de 22 de abril de 2020, edição nº 2683

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