“Noite Adentro”: na Netflix, seis episódios que passam voando
Primeira série belga patrocinada pela plataforma casa thriller com ficção científica em ritmo acelerado, perfeito para uma maratona
No aeroporto de Bruxelas, à noite, os passageiros começam a embarcar no voo para Moscou: um fulano implicante que reclama de tudo, outro de aparência intimidadora, uma mãe com um filho doente, uma enfermeira com seu paciente idoso, uma influencer entojada, uma moça que está em luto e leva consigo as cinzas do namorado – e um militar que se diz a serviço da Otan e, nervosíssimo por não conseguir passar pela segurança na base da carteirada, agarra a arma de um policial e manda o avião decolar naquele minuto mesmo, ainda quase vazio e com a tripulação incompleta, apenas com o co-piloto e uma comissária a bordo. O militar, um italiano chamado Terenzio (Stefano Cassetti), justifica o sequestro com uma história confusa que parece coisa de gente em surto psicótico: o Sol está matando todo mundo nos lugares em que já se levantou. É preciso, portanto, fugir do amanhecer viajando sempre para Oeste, sempre para dentro da noite; logo, nada de ir para Moscou. Para provar que está disposto a tudo, Terenzio atira na mão esquerda do co-piloto, Mathieu (Laurent Capelluto) – que, imediatamente persuadido a obedecer, convoca a ajuda da moça enlutada, Sylvie (Pauline Etienne), que foi piloto de helicóptero da Força Aérea e pelo menos sabe ler um painel de instrumentos. Mas aviões, claro, precisam pousar e reabastecer, necessitam manutenção, dependem de gente que saiba traçar rotas de voo. E são mais difíceis de controlar quando as pessoas em seu interior estão amotinadas e em pânico.
Já Jason George, o produtor de Scandal, Narcos e O Último Guardião que é o criador e showrunner de Noite Adentro, esse está totalmente no controle desta maratona perfeita, que corre tão acelerada e cheia de ganchos que as suas muitas inconsistências lógicas passam batido – não só a explicação “científica” para os acontecimentos é uma bobagem como, a depender do roteiro, jatos comerciais podem ser abastecidos facilmente por uma ou duas pessoas sem maior conhecimento técnico, na hora do vamos-ver enfermeiras conseguem realizar cirurgias, a lei das probabilidades tira folga para garantir que os personagens reúnam todas as habilidades práticas e teóricas necessárias à emergência etc. etc. Quem tende a cismar com esse tipo de facilitação dos roteiristas possivelmente tem mais chances de se irritar do que se divertir com Noite Adentro; de minha parte, encontrei pelo menos um elemento crível na série – não há nenhum personagem que não provoque pelo menos em um momento vontade de atirá-lo pela janela ou deixá-lo para trás em algum dos muitos pousos. Todo mundo em alguma altura (ou altitude) se revela mesquinho, ou covarde, ou prepotente, ou egoísta, ou indiferente, ou várias dessas coisas ao mesmo tempo.
É aí que reside muito da graça de Noite Adentro: no balanço de forças que muda sem parar, conforme o roteiro vai jogando mais este ou aquele obstáculo no caminho dos personagens, elevando alguns deles a protagonistas ocasionais enquanto demove outros a coadjuvantes temporários. Bem filmadinha, bem editada e correndo rápido pela pista, a série decola como se fosse um só longo episódio (são seis de menos de 40 minutos) e faz o tempo passar voando.