Servidores fizeram o que Bolsonaro evitou, e salvaram o erário
Servidores de carreira salvaram o erário em obscuras transações, no valor de R$ 5,9 bilhões, que o presidente da República não soube, mas não quis apurar
A CPI está expondo a engenharia de um estranho negócio de R$ 1,6 bilhão, o equivalente a US$ 326,5 milhões pelo câmbio de ontem.
Foi peculiar e nada transparente a aquisição da vacina indiana Covaxin com corretagem privada nacional e o auxílio do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, do PP do Paraná, ministro da Saúde no governo Michel Temer.
O Ministério da Saúde aceitou pagar preço superior ao de outras vacinas e 1.000% maior do que havia sido anunciado pela própria fabricante seis meses antes do contrato com o Ministério da Saúde. O produto encomendado hoje não chegou e sequer recebeu aval da Anvisa para uso no programa nacional de vacinação.
Não se trata, porém, da primeira transação bilionária e obscura na administração Jair Bolsonaro.
Na vacina, o alarme foi dado por Luis Ricardo Miranda, chefe de Importações da Saúde, que ontem deu um longo depoimento na CPI da Pandemia.
Caso semelhante foi o da compra de mais de um milhão de computadores para escolas. Nesse, a bandeira vermelha foi levantada por auditores da Controladoria-Geral da União (CGU).
É notável que servidores de carreira tenham salvado o erário num par de obscuras transações, no valor somado de R$ 5,9 bilhões (ou US$ 1,2 bilhão), que o presidente da República não soube, mas não quis apurar.
O governo ainda não completara oito meses de existência quando, em agosto de 2019, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) anunciou um pregão eletrônico (nº 13/2019) para a compra de mais de 1,3 milhão computadores, notebooks e laptops para distribuição na rede pública de ensino.
A licitação tinha um custo de R$ R$ 4,3 bilhões, corrigido pelo IGPM — equivalente a US$ 877,5 milhões, pelo câmbio de ontem. É valor 2,7 vezes maior que o da contratação da vacina indiana.
Na CGU chegou um um e-mail indicando os riscos de sobrepreço e de conluio empresarial na compra de 55,5 mil “computadores interativos”; 2017,1 mil “laptops educacionais”; 229,9 mil “notebooks educacionais” e 570,7 mil “tablets educacionais”.
Nas quatro semanas seguintes os auditores reviraram os dados da licitação. Escreveram 75 páginas mostrando que estava tudo errado — quantidades, preços e procedimentos legais, como relatou na época repórter Aguirre Talento.
Mais de 351 escolas municipais, em todo o país, receberiam mais de um laptop por estudante.
Num exemplo, demonstraram que a direção do FNDE previa adquirir 30.030 laptops para os 255 alunos da Escola Escola Municipal Laura Queiroz, de Itabirito (MG). Ou seja, 118 máquinas para cada estudante.
Ainda em Minas, cada um dos 36 alunos da Chiquita Mendes, de Santa Bárbara do Tugúrio, receberia cinco. E os da Cônego Romeu, de Coqueiral, e da Eva Freire, de Itambacuri, teriam quatro por cabeça em sala de aula.
Duas das fornecedoras, a Daruma, de Taubaté (SP), e a Movplan, de Ribeirão Preto (SP), apresentaram carta-proposta com mesmo texto, igual até no erro de concordância gramatical.
A auditoria levou à revogação do edital e à queda da cúpula do FNDE, que funciona como espécie de caixa de financiamento da Educação. O governo preferiu abafar o assunto. Até hoje não se sabe como surgiu esse edital e nem quais foram os responsáveis.
Bolsonaro seguiu o mesmo roteiro no caso da vacina indiana. Soube de tudo no dia 20 de março, mas preferiu não mandar apurar porque no seu governo “não existe corrupção”.
Três meses depois, diante da revelação e da investigação da CPI da Pandemia, ele, enfim, tomou uma providência: mandou um dos suspeitos anunciar uma investigação — contra o servidor público que denunciou.