Um golpe de Estado — que o presidente Jair Bolsonaro indica ter em mente — exigiria apoio militar. É pouco provável, todavia, que as Forças Armadas embarquem na aventura, pois jogariam fora o prestígio conquistado na sociedade após o fim do regime iniciado em 1964. Uma outra hipótese seria uma ruptura com suporte de polícias militares — que ele adula com frequência —, mas não há histórico da participação delas em quarteladas.
A suspeita de golpe é alimentada pela insistência de Bolsonaro em fraude na urna eletrônica. Afirma, sem provas, que venceu as eleições de 2018 no primeiro turno. Passou a defender o voto impresso e subiu o tom: “Ou temos eleições limpas no Brasil ou não temos eleições”. Ocorre que a medida demandaria a aprovação de emenda constitucional para adiar o pleito, o que seria rejeitado por parlamentares que tencionam concorrer à reeleição ou candidatar-se a outros cargos.
A menos que ele não entenda quais são seus poderes (daí dizer que somente Deus o tira daquela cadeira), a ideia dependeria de um golpe para materializar seus instintos autoritários e o propósito de tornar-se um ditador. Editaria uma espécie de AI-5 que seria excluído de apreciação do Congresso ou do Supremo Tribunal Federal. Em seguida, fecharia as duas instituições, sob comando de um cabo ou de um sargento.
“Apenas a ignorância justifica um retrocesso institucional de tamanhas implicações”
Acontece que golpes são rupturas dos tempos da Guerra Fria, quando ameaças comunistas serviam de justificativa a movimentos contra a democracia. O novo governo era logo reconhecido pelos Estados Unidos e por outras nações relevantes. Empresas multinacionais aumentavam seus investimentos no país.
Hoje, não haveria apoio internacional para o golpe, o qual provocaria três reações. Primeira, o Brasil seria expulso do Mercosul por causa da violação de sua cláusula democrática, o que afetaria as exportações de mais de 20% das vendas externas de manufaturados. Segunda, a OCDE rejeitaria o pedido de ingresso do Brasil na organização, pois teríamos um governo autoritário. Isso reduziria nossa capacidade de atrair investimentos.
A terceira reação viria de investidores estrangeiros, que fugiriam do mercado financeiro, com perdas de reservas internacionais. Seriam enfraquecidos o balanço de pagamentos e a avaliação de risco do país. Atualmente, grande parte dos detentores de poupança exige que seus recursos sejam aplicados apenas em países que se enquadrem na agenda ESG, sigla em inglês para meio ambiente, social e governança. Um golpe nos alijaria desse mercado, com graves efeitos macroeconômicos. A perda de reservas internacionais e de confiança provocaria forte queda da percepção de risco do país. Disso decorreriam alta da inflação e, em seguida, queda do potencial de crescimento da economia, da renda e do emprego.
O golpe seria um enorme desastre para o país. Apenas a ignorância pode justificar a ideia de um retrocesso institucional de tamanhas implicações.
Publicado em VEJA de 4 de agosto de 2021, edição nº 2749