O teto de gastos (emenda Constitucional 95, de 2016) é uma forma de “restrição orçamentária”, isto é, um limite para despesas com bens e serviços, dada a disponibilidade de recursos (orçamento). Vale para empresas, famílias e governos.
No Brasil, essa restrição foi ignorada pelos constituintes de 1988. Tomados de legítimo sentimento de reduzir desigualdades sociais e regionais, eles criaram ou ampliaram benefícios incompatíveis com finanças públicas saudáveis. Beneficiaram corporações dos servidores públicos, idosos e estados e municípios.
Cada grupo extraiu uma fatia do Orçamento federal. O gasto previdenciário total, de 4% do PIB em 1987, subiu para 13% do PIB em 2020. A vinculação de impostos em favor da educação aumentou de 13% para 18%. O gasto primário duplicou, de 10% para 20% do PIB. A despesa da União passou a crescer em média 6% ao ano acima da inflação.
Caminhávamos para o colapso fiscal, o que poderia acarretar a volta da hiperinflação e a destruição do potencial de crescimento da economia, da renda e do emprego. Havia que realizar reformas estruturais para evitar esse desastre, mas elas eram bloqueadas ou desidratadas pela força dos que seriam atingidos.
“A criação da restrição orçamentária foi uma medida heroica. Ou era ela ou o caos”
O teto de gastos foi, assim, uma medida heroica. Ou ele ou o caos. Por vinte anos, a despesa estará limitada à inflação. O teto será revisto no décimo exercício. O limite, dizia-se, realçaria o conflito distributivo do Orçamento, criando o ambiente para discutir e reformar a estrutura do gasto público. A racionalidade se imporia, vencendo resistências às mudanças.
Nada disso se confirmou, infelizmente. Falta de liderança ou vontade política e a força dos grupos de interesse inibiram as mudanças estruturais necessárias. A exceção, a reforma da Previdência, era insuficiente para resolver, sozinha, os gigantescos problemas fiscais do Brasil.
Enquanto isso, a restrição orçamentária continua a ser ignorada. À esquerda, mesmo as mentes mais lúcidas demandam que se viole o teto para expandir o dispêndio com educação e saúde. À direita, advoga-se a ruptura do teto em favor de um Plano Marshall inconsequente, a que se somam pressões para expandir o investimento público em obras que rendam votos. O teto e o endividamento público que se danem.
Adeptos da Nova Teoria Monetária, que tem escasso apoio em correntes de economistas, dizem que o teto está submetendo o país a um sacrifício desnecessário e inominável. Defendem, com base na teoria, a ideia de que se financie a dívida pública com emissão de moeda, caso a taxa de juros seja inferior à do crescimento do PIB. Não existiria, pois, a restrição monetária. Difícil encontrar quem se arrisque a embarcar na aventura.
O teto de gasto merece ser discutido. Hoje, seria impossível ampliá-lo sem mudanças estruturais no gasto público. Pode-se criar outro tipo de restrição orçamentária, mas sem esquecer a necessidade de uma âncora fiscal. Soluções mágicas podem ameaçar o futuro das próximas gerações.
Publicado em VEJA de 12 de maio de 2021, edição nº 2737