Livro traz fotos inéditas e conversa de Hilda Hilst com mortos
‘Boa noite, povo cósmico’, diz a escritora em uma das tentativas de diálogo com o além, editadas em tomo que sai na Flip com filme sobre suas experiências
“Clarice, é Hilda Hilst, como você está se sentindo?”, pergunta a escritora Hilda Hilst em uma de suas tentativas de diálogo com a outra dimensão. A fala a Clarice Lispector, uma das muitas recuperadas pela diretora Gabriela Greeb para o longa Hilda Hilda Pede Contato, que mostra as experiências com o além feitas pela poeta na Casa do Sol, a chácara onde morava em Campinas (SP), está também no livro de mesmo nome que sai pela editora do Sesi — ambos com lançamento marcado para a próxima semana, na Flip. “Peço contato com os operadores do espaço. Me indiquem por favor a hora melhor para transmissão. Hilda pedindo contato com o povo da outra dimensão. Vocês, mortos, vivem? Vocês mortos, vivem?”
O livro virá com estampas de QR Code — código decifrado por um aplicativo instalado no celular — para que o leitor possa ouvir trechos do áudio do longa. “Tem QR Code com todo o áudio do filme, e dentro dele uma passagem da Hilda cantando. É o som de um vídeo absurdo de lindo que eu encontrei durante a pesquisa. É a Hilda cantando You’ll Never Know How Much I Love You no microfone com o primo, o maestro Almeida Prado, no lançamento de Bufólicas. Eles estão numa livraria ou num bar, não fica muito claro, pessoas bebendo uísque, ela assinando livros, até que se levanta e começa a cantar. No livro, tem uns frames dessa cena em preto e branco”, conta Gabriela, que pesquisou as cerca de 100 horas de gravação em fita cassete registradas pela poeta ao tentar comunicação com o “povo cósmico”.
“As fitas tinham fungos, eu limpei, digitalizei, foi um trabalho superlongo que resultou num acervo novo”, diz a diretora.
Ao incluir QR Code no livro, ela diz ter pensado sobretudo no leitor jovem. “Acho que a Hilda é mais lida e compreendida por um público mais novo, acostumado com a linguagem da internet, que lê faz outra coisa ao mesmo tempo”, afirma Gabriela.
“A Hilda tem uma obra que é como um rizoma… o personagem de um livro aparece envelhecido em outro, há temas que se repetem. Por isso, digo que a obra da Hilda é um grande rizoma, como se fosse quase tudo uma obra só, vista de maneiras diferentes. Ela repete até o nome do personagem, mas é totalmente outra pessoa, porque os personagens da Hilda crescem e se transformam.”
A 16ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) acontece de 25 a 29 de julho. Hilda Hilst Pede Contato, o filme, terá sua primeira exibição para o mundo na noite de quinta, 26, no cinema reativado da Praça da Matriz. Hilda Hilst Pede Contato, o livro, será lançado hora antes, ao fim da mesa “Performance sonora”, de que Gabriela Greeb participa ao lado do português Vasco Pimentel, um dos responsáveis pelo desenho sonoro do longa. Clique aqui para conferir a programação completa da Flip 2018.
Leia abaixo trechos do livro:
Alô, alô povo cósmico, rede telefonia. Hilda Procurando contato. Dia 24 de setembro de 1978. Hilda procura contato com o absurdo.
Hilda pedindo contato com o povo cósmico, Hilda pedindo contato com o povo cósmico. Gostaria tanto de ouvir a fala de um de vocês, vocês que já são meus amigos, muitos que eu não conheço, essa voz tão linda que fala “querido”, umas três vezes, outra que disse meu nome, “Hilda”.
Peço contato com os operadores do espaço me indiquem por favor a hora melhor para transmissão. Hilda pedindo contato com o povo os da outra dimensão. Vocês mortos, vivem? Vocês mortos, vivem? Eu vou ouvir.
Osman Lins, como é que você está? Já tem uma ideia definitiva sobre a morte? Clarice Lispector, nenhum recado para o José Luís Mora Fuentes? Cacilda Becker, você ainda não se lembra de mim? Arnaldo Pedroso Horta, você ainda acha que sou uma fêmea desejosa de homens?
Victor Tausk será que você não queria falar comigo? Meu nome é Hilda Hilst, hein. Ah, eu acho você tão extraordinário meu deus. Vontade de ser sua amiga. Alguém aí conhece o Victor Tausk? Ele foi discípulo do Freud. Ele está no mesmo plano que vocês estão?
O [Mário] Schenberg uma vez começou a me explicar a teoria da relatividade, tão bonito. Depois eu usei as duas frases que ele usou numa poesia, que se chamam em física “cone do passado e do futuro” e no vértice destes cones é que está o agora. Achei tão bonito. Cone do passado e cone do futuro. Mas não sei se ele existe, o tempo. É aquela coisa O Oco [texto da autora] fala isso. Parece que era assim que eu dizia: que era como se fosse uma pedra e a pessoa passando. Então já estou no começo e agora estou chegando ao meio e vou indo até o fim e aí eu não estou mais, mas aquilo está, aquilo é sempre, sempre existiu, e é, existe. E a gente é que passa por aquilo e pressupõe tempo, quando ele está lá, quando ele simplesmente está, é. Onde será que estão esses escritores que não são mais aqui desse plano? Cecília Meirelles, Guimarães, Marques Rebelo, Cornélio. Será que eles estão aí com vocês, perto? Eu vou ouvir.
Eu queria saber de alguns amigos meus, eu queria falar com alguém aí do espaço, eu gostaria de saber como Clarice Lispector está se sentindo aí. Clarice, é Hilda Hilst, como você está se sentindo?
Vladimir Herzog, é Hilda Hilst, acho que nós não nos conhecemos, mas eu gostaria de saber se você tem alguma coisa pra dizer e como você está se sentindo.
Vladimir será que seria assim deselegante, seria terrível se eu te perguntasse se mataram você ou se você suicidou-se?