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Linda, brava e malvada: a irmãzinha poderosa de Kim Jong-un

Uma mulher no comando do mais comunista, fechado e alucinado regime do mundo? Tudo pode acontecer na Coreia do Norte, principalmente se for absurdo

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 23 abr 2020, 11h55 - Publicado em 23 abr 2020, 07h15

“Nosso marechal, que ilumina o caminho da liderança como uma chama, mesmo quando não está se sentindo bem”. Uma única frase na televisão norte-coreana confirmou que o líder máximo, Jong-un, está com algum problema.

Fez uma cirurgia cardíaca de emergência? Pôs um stent? Está à beira da morte?

Tudo boataria impossível de verificar no sistema totalmente blindado que começou ser construído por seu avô e foi sendo aperfeiçoado pela dinastia vermelha.

É possível – atenção, apenas possível – que Kim tenha desaparecido do mapa, nada incomum para seus hábitos, por estar sofrendo uma crise de gota, a dolorosíssima artrite inflamatória que em geral ataca o dedão do pé. É uma doença com fator hereditário, agravada pela obesidade.

Exatamente o caso de Kim, que fuma muito, come demais e herdou, além do poder absoluto no mais absolutista dos regimes, a doença causada por deposição de cristais de ácido úrico nas articulações.

Talvez por isso tenha sido filmado mancando, talvez por isso deixou passar uma data importante. E exatamente aconteceu a rara menção a seu estado de saúde.

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E por tudo isso a boataria caiu como uma chuva de mísseis secretos sobre os ombros delicados, o maxilar bem desenhado, o osso zigomático de modelo e o olhar implacável de Kim Yo-Jong.

Que outra pessoa conseguiria desviar a atenção do mundo do coronavírus?

As hipóteses são boas de mais para ser verdade: Kim vai ao encontro dos ancestrais com apenas 36 anos, deixando a coleção de 20 Mil DVDs (Godzilla, Rambo) e o poder para a irmã caçula.

Isso se não tiver um levante militar contra a inaceitável, horrorosa, monstruosa ofensa de ter uma mulher na liderança.

Não que Kim Yo-Jong não esteja cruzando, há um bom tempo, seus pauzinhos. Foi a chefona do Departamento de Agitprop, a agitação e propaganda dos velhos regimes comunistas. 

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Adaptou, assim, ao irmão rubicundo o culto à personalidade que faz parte intrínseca da dinastia vermelha fundada pelo avô de ambos, Kim Il-Sung.

A imagem mais moderna, o corte de cabelo, os casacos e sobretudos de couro de Kim Jong-un fazem sucesso – não só na Coreia do Norte, como na do Sul, as duas metade de um país rachado, que se ama e se odeia ao mesmo tempo.

A própria Kim Yo-Jong causou quando foi representar o irmão nas Olimpíadas de Inverno, na Coreia do Sul, em 2018.

Os tailleurs e casacos, muito bem cortados, mas mantendo a severidade de alguma coisa saída dos anos cinquenta, encantaram muitos sul-coreanos loucos por moda, um vício nacional.

Além do desfile de moda vintage, Kim Yo-Jong também levou uma mensagem pessoal do irmão ao presidente sul-coreano, Moon Jae In. Seguindo as intrincadas regras de etiqueta dos coreanos, acompanhou a mensagens de palavras amáveis de sua própria lavra.

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A ascensão de Kim Yo-Jong é atribuída a dois fatores.

Primeiro, a intimidade que tem com o irmão, forjada durante os cinco anos em que estudaram na Suíça, mas numa redoma de isolamento como só um regime como o norte-coreano poderia criar.

Se Kim Jong-un pode ter alguém próximo, é a irmã Yo-Jong – nada a ver com o meio-irmão Kim Jong-nam, assassinado com um gás mortífero que duas prostitutas passaram com um lenço sobre seu rosto no aeroporto de Kuala Lumpur.

A família deve ter tido um bocado de assunto para comentar durante o almoço. Ou seja lá o que façam nessas horas. 

Tiro ao tio? Já teve também.

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Segundo fator de influência: Kim Yo-Jong ocupa um cargo que seria equivalente ao dos infames comitês de disciplina. Ou seja, vigia os vigias. Ter controle sobre informações dos próprios figurões comunistas, em geral militares, dá um poder tremendo.

A Coreia do Norte é tão absolutamente fechada, inclusive pelo uso de tecnologia datada ou simplesmente inexistente, que todas as “revelações” vindas de lá devem ser tratadas com a maior desconfiança.

Há décadas numa guerra de propaganda, os serviços secretos sul-coreanos também fazem sua parte na plantação.

Uma das fontes mais confiáveis sobre o funcionamento interno, e fechadíssimo, da alta cúpula foi Thae Yong-ho, o mais importante desertor conhecido. 

Ex-vice-embaixador em Londres, ele arriscou tudo e foi para a Coreia do Sul em 2016, com a mulher e os filhos. Sabia perfeitamente que todos os demais familiares, que ficaram para trás, seriam mandados para campos de trabalhos forçados ou coisa pior.

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Depois de contar tudo, até onde sabia, Thae resolveu se candidatar a deputado. E ainda por cima por Gangnam, o bairro da balada que ficou famoso – infame, diriam alguns – pela música e a dancinha de PSY.

Thae Yok-ho tornou-se o primeiro norte-coreano eleito para o Congresso da Coreia do Sul. Concorreu pelo partido de centro-esquerda do presidente Moon Jae-in. 

Foi uma vitória histórica: os sul-coreanos votaram mais do que nunca, de máscara e com o devido distanciamento, dando ao partido de Moon e outro, aliado, uma maioria incontestável, resultado da aprovação popular ao modo como a epidemia foi enfrentada e se tornou um caso exemplar.

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Já na Coreia do Norte, os irmãos Kim não precisam se preocupar: não existe um único caso de Covid-19 no país.

Esta é a informação oficial. Mas é perfeitamente possível que a epidemia tenha sido controlada pelo próprio isolamento do país. Sem contar que as fronteiras foram fechadas desde o começo de janeiro e os poucos estrangeiros, geralmente chineses, passaram por um período de confinamento.

O resto, claro, é especulação.

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