“Homem é tudo igual.” Provavelmente não existem mulheres que não tenham dito ou pensado isso diante do amplo arco de malfeitos masculinos que começa na toalha molhada jogada na cama e vai subindo até chegar à imposição da própria vontade pela força física ou financeira, à importunação sexual em vários graus ou ao abandono dos filhos. O caso de Andrew Cuomo, o governador de Nova York que colocou a si mesmo sob o risco de impeachment ou renúncia forçada, certamente está provocando esse tipo de reação. Poucas mulheres não terão passado por algumas das cretinices inconvenientes ou até delituosas agora associadas a Cuomo: as piadinhas que só têm graça porque contadas pelo chefe, a mão “esquecida” na cintura, as insinuações de natureza sexual e até o beijo roubado em pleno ambiente de trabalho — e em plena segunda década do segundo milênio nos Estados Unidos, um sinal, entre tantos outros plantados ao longo da história, de como o poder inebria, cega e, em casos que nem precisam ser extremos, emburrece.
É dos Estados Unidos que veio, como tudo mais nesse terreno, a expressão “masculinidade tóxica”, que parece ter sido criada para definir o governador Cuomo depois da queda — antes, ele era tão venerado nos círculos progressistas que ganhou um Emmy por suas entrevistas coletivas no auge da Covid-19 em Nova York e deu ensejo ao autoexplicativo neologismo “cuomossexual”, usado por várias celebridades deslumbradas. O problema com o conceito de masculinidade tóxica é que ele não é aplicado apenas aos desvios e abusos, mas à própria essência masculina, como se ser homem implicasse automaticamente em comportamentos condenáveis que só podem ser corrigidos pela desprogramação — e é claro que já existem nos Estados Unidos cursos ministrados em universidades e empresas com esse objetivo.
“O problema com o conceito masculinidade tóxica é que ele não se aplica apenas aos desvios e abusos”
Enquadrar todos os homens na categoria “tóxica” pode levar a absurdos como o que aconteceu na Inglaterra, onde o assassinato de uma jovem mulher que caminhava para casa à noite provocou grande comoção. Aproveitando o ambiente de consternação, Jenny Jones, integrante do Partido Verde que ascendeu à Câmara dos Lordes com o título de baronesa, propôs um toque de recolher, válido para todos os homens, a partir das 18 horas, como forma de garantir a segurança da circulação de mulheres à noite. Depois, ela disse que só tinha sugerido uma medida insensata para que os homens sentissem o gosto da punição coletiva experimentada pelas mulheres quando a polícia recomendou que evitassem andar sozinhas à noite na área. (A recomendação deixou de ter valor depois que o assassino foi preso: um policial que trabalhava no serviço de proteção a diplomatas, o que torna a história ainda mais dramática.)
As mudanças sociais aceleradas e os exageros do antimasculinismo já estão ajudando a criar homens assustados, revoltados, comprometidos a não se casar nem ter filhos para não ser “explorados” por futuras ex-esposas. Tudo o que o mundo não precisa é de criaturas psiquicamente frágeis, chorando suas mágoas em redes sociais e trancadas em quartos onde se embriagam com um dos maiores combustíveis da masculinidade tóxica: pensar besteiras.
Publicado em VEJA de 24 de março de 2021, edição nº 2730