Os seis dias de surpresas e escândalos que abalaram Hillary
E-mails descobertos no computador de um viciado em sexo ou revelados por Julian Assange infernizam a candidata
As comportas foram abertas apenas na sexta-feira passada, quando o diretor do FBI, Jim Comey, anunciou que havia fatos novos na investigação sobre o uso de e-mails pessoais por Hillary Clinton e equipe quando ela era secretária de Estado.
Para a campanha da candidata democrata, os seis dramáticos dias soam como séculos. Com todos os cuidados devidos diante da volatilidade do meio-ambiente eleitoral e das próprias pesquisas, vamos dar dois exemplos das reviravoltas.
No estado de Virgínia, Donald Trump estava um ponto atrás dela até a sexta-feira (43% a 42%). Desde então, passou à frente de Hillary. Entre os pesquisados apenas depois da avalanche de revelações e suspeitas, o novo quadro era de 48% a 39%. Em comparação com a mesma pesquisa de um mês atrás, ele ganhou espantosos 15 pontos.
Em New Hampshire, a diferença favorável a Hillary era a mesma: 15 pontos. A vantagem se derreteu como sorvete no micro-ondas. Trump agora tem 40% das preferências, contra 39% para Hillary.
Só para relembrar: existem dois casos envolvendo e-mails. Um se refere ao servidor particular instalado por ordem de Hillary para suas comunicações como chefe da política externa americana.
Este caso foi dado por encerrado e reaberto pelo FBI da maneira mais prejudicial que se possa imaginar: mensagens da mais próxima assessora de Hillary, Huma Abedin, encontradas no computador do ex-marido dela, Anthony Weiner, investigado por contatos digitais com uma menor de idade.
Se a ideia de associar a candidata a presidente a um pervertido sexual já é suficientemente horrorosa, piores ainda são as especulações. Huma e, por extensão, sua chefe poderiam ser enquadradas em crime de espionagem, diz uma das correntes.
Outra, que entra no ramo do delírio conspiracionista, legitimado de alguma maneira pelo comportamento compulsivo de Weiner, envolve desvios sexuais associados ao milionário Jeffrey Epstein. Bill Clinton, entre outros famosos, viajou várias vezes no avião particular de Epstein, apelidado de Lolita Express. Epstein cultivava uma legião de adolescentes e foi condenado por pedofilia.
As versões mais extremadas são alimentadas pelo fato de que Comey revelou a reabertura do caso, mas não o teor das mensagens que estão sendo investigadas. Até Barack Obama, que deveria manter a liturgia do cargo, já reclamou do clima de suspeição que isso criou a poucos dias da eleição.
O problema, para Hillary, é que na outra encrenca envolvendo e-mails, o conteúdo é conhecido – e contribui para o descrédito dela. Estas mensagens são as hackeadas do computador de John Podesta, o diretor da campanha democrata, pelo WikiLeaks.
Divulgadas paulatinamente, elas indicam o tráfico de influência no Departamento de Estado da era Hillary em favor da Fundação Clinton e do próprio ex-presidente. Pelas palavras do maior operador, Bill Clinton colocou 30 milhões no bolso desde que saiu do governo só em livros, palestras e consultorias.
A posição da mulher dele certamente não foi nenhum obstáculo a isso. Aliás, a Fundação Clinton também está sendo investigada pelo FBI, como se ficou sabendo num desses últimos e delirantes dias. Em outra das revelações mais prejudicais, aparece até um amigo do amigo fazendo coisas feias e bem no coração do governo.
Peter Kadzik, que ocupa um posto importante no Departamento da Justiça, avisa Podesta do andamento interno das investigações sobre Hillary. Kadzik e Podesta, fizeram faculdade juntos, aproximaram-se ainda mais no governo de Bill Clinton, foram lobistas e deram motivos a Trump para denunciar, com razão, a corrupção moral da “máquina”. Quando Trump fala com superioridade moral sobre os adversários, a coisa está tenebrosa.
Outros e-mails mostram como funcionários Departamento de Estado continuaram a colaborar com Hillary depois que ela deixou o ministério, alimentando ainda mais o sentimento de que o casal Clinton tem o dom de corromper tudo em que põe as mãos.
Uma das mais curiosas consequências desse tsunami de revelações é que Julian Assange, ídolo da esquerda desde que propiciou o vazamento em massa de comunicações sigilosas do governo americano e outros, passou a ser cultuado pela direita mais entusiasmada. Só para relembrar: Assange vive entocado na embaixada do Equador em Londres para não responder por acusações de violência sexual na Suécia.
Um daqueles conspiracionistas que sempre aparecem nessas horas chegou a dizer que os e-mails de Podesta foram passados ao WikiLeaks por anônimos e heróicos funcionários dos serviços de inteligência. Dos Estados Unidos, não da Rússia, como dizem os democratas.
Só isso já dá uma ideia do clima delirante vigente nos dias finais da campanha. Aas perspectivas que se abrem depois da eleição também são de arrepiar: uma presidente eleita à sombra de escândalos e investigações que não se sabe onde vão dar, com o eleitorado perdedor achando que foi tudo armação. Ou um presidente Trump.