Entre 1918 e 1919, a gripe espanhola, que, apesar do nome, era originária dos Estados Unidos, matou mais de 50 milhões de pessoas em todo o mundo. No Brasil morreram cerca de 35 000, inclusive o presidente eleito, Rodrigues Alves. Talvez tenha morrido mais gente. Não sabemos, dada a precariedade dos registros na época.
A distância entre os grandes centros nos poupou de uma contaminação maior. Mesmo assim, os relatos da disseminação da epidemia no Rio de Janeiro são horripilantes. Desde então, o Brasil nunca foi exposto a nada tão assustador. As epidemias de Sars e do ebola não chegaram por aqui com intensidade relevante. No entanto, a questão do coronavírus pode ser mais complexa.
A gravidade decorre de quatro fatores. O primeiro refere-se à facilidade do contágio, que pode se dar por meio de tosse, espirro e aperto de mão — e que pode ser potencializado pelo uso de transportes públicos. O segundo está relacionado à associação da transmissão do vírus com hábitos alimentares e de higiene, o que implicará mudança de costumes. O terceiro tem a ver com a escala do problema em termos populacionais em face do país de origem. O quarto refere-se à relevância da China e ao seu impacto nas relações globais.
A conjunção de tais elementos deve ser examinada a partir de algumas perspectivas. O quadro de percepções, no curto prazo, será de muita inquietação, até que se descubra uma vacina e ela seja produzida em escala para milhões. A rigor, nas próximas semanas, o cenário de boas notícias parece ralo. Caso tenha havido omissão na divulgação dos mortos e infectados, a incerteza aumenta com a crise de credibilidade das autoridades.
“No curtíssimo prazo, o Carnaval deste ano pode ser afetado pelo medo do contágio”
No campo econômico, as repercussões serão imensas no curto prazo. Turismo e comércio internacionais serão afetados intensamente. O mercado de commodities sofrerá um desaquecimento por causa da redução da atividade econômica na China. A aversão ao risco levará o investidor a se encolher e esperar o cenário clarear. O ano começa com o freio de mão puxado.
A médio prazo, considerando-se a família do novo vírus, é possível que uma solução seja encontrada e que a epidemia fique razoavelmente controlada a partir de protocolos de procedimentos, medicamentos e mesmo vacinas. Mas, até lá, será necessário que haja uma mudança cultural relevante para enfrentar o desafio de uma contaminação generalizada. E ainda boas estratégias de comunicação para informar, esclarecer e educar, a fim de enfrentar a ameaça de uma epidemia.
Afetadas por um cisne negro que surge do nada, as boas perspectivas econômicas do Brasil para 2020 ainda não foram comprometidas. No entanto, mesmo que o impacto epidemiológico seja periférico, as boas expectativas vão ser parcialmente atingidas pelo desaquecimento econômico na China e pela redução do turismo e comércio globais. No curtíssimo prazo, o Carnaval deste ano — que poderia marcar uma robusta recuperação econômica — pode ser afetado pelo medo do contágio. Os poderes públicos devem agir não apenas no âmbito da saúde pública, mas também mantendo a agenda de reformas em andamento e intervindo para evitar que a nossa retomada econômica seja definitivamente comprometida.
Publicado em VEJA de 5 de fevereiro de 2020, edição nº 2672