O século XXI traz dois desafios fundamentais, os maiores que a humanidade já enfrentou. O primeiro é ambiental: todos os países, incluindo os maiores poluidores, sabem que ou bem o futuro será ambientalmente sustentável ou bem não existirá. O Brasil se destaca como a única exceção: nós ignoramos deliberada e olimpicamente a questão.
Ressalvadas as honrosas exceções de praxe, nossa visão é a mesma de séculos atrás: o progresso advém da exploração (e da espoliação) dos recursos naturais. Preservação ambiental e crescimento econômico são incompatíveis.
Essa visão predatória e obscurantista, dominante nas Forças Armadas, na esquerda tradicional, no centro fisiológico e em boa parte do empresariado, chega ao paroxismo no governo atual, para quem destruir o meio ambiente parece um fim em si mesmo. Às vésperas da COP26, subsidiamos combustível fóssil e fazemos manobras contábeis para ocultar o aumento da emissão de CO2.
Não vamos progredir destruindo a natureza. Mas vamos piorar a seca, reduzir a produtividade agrícola, prejudicar a produção de energia, perder as oportunidades da economia verde, sofrer sanções econômicas internacionais.
O segundo desafio é a nova etapa da revolução digital, ou Quarta Revolução Industrial, que apenas começou, mas terá um impacto tão brutal que mal podemos vislumbrar as mudanças que trará. Duas, entretanto, são óbvias e incontornáveis.
“O violento impacto sobre emprego e renda tem potencial para gerar convulsão social. Aqui, o assunto inexiste no debate público”
Uma mudança é a destruição em massa de empregos. A maior parte das profissões que hoje damos de barato desaparecerá. Motoristas profissionais, por exemplo, se tornarão obsoletos em dez ou quinze anos. Carros autônomos prescindirão deles. O Brasil tem 2 milhões de caminhoneiros. Oito milhões de pessoas serão afetadas — e o mesmo se dará em muitas outras áreas. Aplicativos como o Uber, que hoje servem de bote salva-vidas para desempregados, não mais precisarão de mão de obra. A outra mudança é o aumento da concentração de renda e da desigualdade social. Os empregos que sobrarem (ou forem criados) serão para pessoas altamente qualificadas e bem remuneradas ou para pessoas sem qualificação e mal remuneradas.
O segundo desafio o Brasil ignora literalmente. A maior parte dos brasileiros, aí incluídos políticos e empresários, nem sequer imagina o tamanho do problema que vai nos atingir. E nada faz a respeito.
Deveríamos estar investindo maciçamente em educação de ponta (o que já não seria fácil, visto que nosso ensino básico é uma tragédia), mas o governo vai na mão inversa, cortando bilhões do orçamento e vetando internet nas escolas. Deveríamos priorizar também o investimento em ciência e tecnologia, mas o orçamento da área, em queda há anos, foi fortemente reduzido no governo Bolsonaro e acaba de sofrer novo corte, de mais 690 milhões.
O violento impacto sobre emprego e renda tem potencial para gerar convulsão social, e muitos países desenvolvidos estão discutindo o que fazer a respeito. Aqui, onde a desigualdade já é acirrada e o potencial de ruptura é maior, o assunto inexiste no debate público.
O Brasil está cego para as duas questões mais importantes da modernidade.
Publicado em VEJA de 20 de outubro de 2021, edição nº 2760