Jair Bolsonaro demitiu Henrique Mandetta na quinta, deu posse a Nelson Teich na sexta e, já no sábado, estava no meio da galera, abraçando os fãs e deixando claro qual é o tipo de isolamento social que quer do novo ministro. No domingo, foi a outra aglomeração, em que se pedia — no Dia do Exército, diante de seu Q.G. — golpe militar e Bolsonaro ditador. Bradou que “não negocia” com a “velha política” (na segunda, negociou com o que há de mais velho e corrupto na política, como Roberto Jefferson e Valdemar Costa Neto, a quem entregou um dos postos-chave do Ministério da Saúde).
Todo mundo se indignou com a presença de Bolsonaro no comício golpista — menos os militares. Pressionado, o Ministério da Defesa emitiu, 24 horas depois, uma nota protocolar. Já vimos Mourão pregar o golpe, Villas Bôas ameaçar o Supremo, Heleno dizer “fod@-se!” para o Congresso, o ministro da Defesa defender o golpe de 1964 em ordem do dia, mas não se vê militar que defenda a democracia contra os arroubos autoritários do presidente.
Há tantos militares no governo (já vem mais um, no Ministério da Saúde) que as Forças Armadas resistem a se posicionar como órgão de Estado. Mas, assim como não era possível para Mandetta — ou, agora, para Teich — calar quando o presidente contrariava normas básicas de saúde, não é possível para as Forças Armadas calar quando Bolsonaro participa de um comício a favor da ditadura. Calar é consentir, e os militares vão consentindo.
“A insistência do capitão no confronto permanente é suicida”
Parece que Teich também vai consentir. Desde a posse, foi para o Rio, teve aulas de media training, demorou cinco dias para encontrar o segundo do ministério. Na coletiva, repetiu platitudes, disse que o Brasil está melhor do que outros países (está apenas em momento diferente), suspendeu a coletiva técnica por mais uma semana. O número de mortos dobra a cada sete dias, o sistema hospitalar já entra em colapso, mas o ministro não demonstra pressa. A displicência não encoraja o isolamento, e o capitão agradece.
Acredita-se que o que move o capitão contra o isolamento é o interesse eleitoreiro. Mas quem obedece a Bolsonaro e sai do isolamento (pondo a vida em risco) é, principalmente, quem confia no presidente. A atitude de Bolsonaro levará muitos de seus eleitores à morte — e quem não morrer vai se lembrar do pouco-caso com que o (ex-)ídolo tratou sua vida. É uma estratégia suicida. A insistência do capitão em buscar o confronto permanente, que periga levar o país ao impasse e ao caos, é também suicida — mas talvez Bolsonaro alimente o sonho de que, num cenário de caos, as Forças Armadas o apoiariam em um golpe.
Ou, talvez, ressentido contra tudo e contra todos, Bolsonaro simplesmente busque o caos pelo caos. Ao proclamar que “a Constituição sou eu”, o presidente lembrou Luís XIV, mas seu dia a dia remete a Luís XV, o que anunciou que “depois de mim, o dilúvio”. O dilúvio veio na forma da Revolução Francesa, que matou milhares de franceses e desaguou na ditadura de Napoleão. A ditadura bolsonariana pode ser improvável, mas os mortos já estão garantidos.
Publicado em VEJA de 29 de abril de 2020, edição nº 2684