Sempre me espantei com a importância que as pessoas dão ao peso alheio. Alguém me encontra e já vai comentando: “Engordou”… Ou “emagreceu”. Fala-se de regimes o tempo todo e surgem as dietas mais malucas possíveis. Agora, com a recente morte da cantora Marília Mendonça, poucos foram os obituários que não se referiram ao peso. Deu-se tanta importância a seu peso corporal quanto à sua voz e carreira musical. Existe uma avidez por discutir o peso alheio. Já se processa por gordofobia. É um direito. Mas, na vida comum, a rejeição continua. Soube de que nem gostavam de contratar gordos. Para a vaga, sempre o mais magro.
Fui esbelto até os 30 anos. Depois engordei e há tempos luto contra minha barriga. Toda semana ouço conselho para perder peso. Alguns vêm disfarçados de amizade: “Ter barriga é perigoso”. Até concordo, gordura no figado não é bom. Outros de piada. Mas o que um gordo suporta não é fácil. Não são conselhos dados por médicos. Há um exército de seres humanos ocupados em lutar contra o peso alheio. Há algum tempo as modelos plus size ganharam espaço, por um simples motivo: as mulheres acordaram. Descobriram que nem sempre é possível ter um corpo magríssimo. São consumidoras ávidas de fotos, propagandas, nas quais se vejam de fato representadas.
Tudo tem a ver com um ideal estético, em que as mais vigiadas são as mulheres. Se um homem famoso morre, ninguém discute seu peso, como ocorreu com Marília Mendonça. Eu me pergunto de onde vem tanta raiva? Até um tempo relativamente recente, magrice demais era feio. Vejam Marilyn Monroe, ícone da beleza, falecida em 1962. Era gordinha, com todo respeito. Um modelo estético que se invejava e desejava. A mulher mais bela do mundo. Se eu recuar no tempo, encontraremos mais e mais mulheres acima do peso sendo admiradas. As magras não faziam sucesso. Muito magra era considerada doente. Houve uma virada no conceito estético. Queria entender o porquê.
“Se um homem famoso morre, ninguém discute seu peso, como ocorreu com Marília Mendonça”
Segundo o livro O Mito da Beleza, de Naomi Wolf, a sociedade aposta em um padrão que surgiu para que as mulheres sejam aceitas no mercado de trabalho. Isso também se estendeu aos homens. Ao exibirem uma aparência saudável e atlética todos se mostrariam mais aptos a vitórias profissionais. Resultado: meninas e também meninos se submetem a dietas malucas e procedimentos estéticos cada vez mais cedo.
Naomi Wolf comparou as calorias que “deveriam” ser ingeridas para alcançar o chamado corpo perfeito: 800 a 1 000 diariamente. No gueto de Lodz, durante o nazismo, os judeus se alimentavam com rações que tinham de 500 a 1 200 calorias. Que tal a comparação? Não é à toa que aumentam as mortes por anorexia.
O adeus de Marília Mendonça provou que a gordura ainda tem sua patrulha. Gordofobia? Não acabou. Continua em alta. Ao chamar uma garota de “gordinha”, muitos acham que estão fazendo piada. Na real, estão mantendo um padrão, que dói, machuca e continua sendo repetido.
Publicado em VEJA de 17 de novembro de 2021, edição nº 2764