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Os novos palcos culturais

Os espetáculos on-line salvaram a arte na pandemia — e vão ficar

Por Walcyr Carrasco Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 14h34 - Publicado em 6 nov 2020, 06h00

Meu primeiro contato foi traumático. Um grupo de amigos teve as apresentações de sua peça suspensas na pandemia. Foram para casa, sofreram… E resolveram se apresentar on-­line. Há gestos de amizade dos quais não consigo fugir. Assistir a webteatro pela primeira vez foi um deles. Os atores, com exceção de um, não tinham ideia de como lançar olhares dramáticos e expressões emocionantes para a câmera do computador. Foi uma das coisas mais chatas da minha vida. Mas, depois de me remexer na poltrona durante uma hora e meia, on-line, elogiei. Ia fazer o quê? Eles já estavam na pior… Só que o gênero, híbrido entre o teatro e o audiovisual, deslanchou. O Itaú Cultural patrocinou um festival on-line. O Sesc também fez um projeto onde se apresentaram nomes como Renata Sorrah e Débora Falabella. Pessoas que não poderiam viajar para assistir a grandes atores no teatro ganharam a chance de vê-los on-line. Formou-se um público. A prova é a peça Ensaio sobre a Perda, de Herton Gratto e dirigida por João Fonseca. Mesmo sem um elenco de famosos, atraiu um público pagante. A pessoa comprava o ingresso e ganhava um link para a apresentação, pelo Zoom. Lotaram os 100 lugares todos os dias. Agora, no dia 10, vão se apresentar no Festival Midrash de Teatro, e assim a carreira vai continuando…

Também me surpreendi com os shows on-line. Uma delícia a mistura de exposição com intimidade. Vi a live de Ivete Sangalo, que a Globo transmitiu, feita em sua residência. Que delícia. Ivete à vontade, cozinha funcionando… Eu me senti como uma visita. Gusttavo Lima foi o pioneiro, depois veio Caetano Veloso com os filhos… E houve até mesmo a monumental live de Lady Gaga, organizada pela OMS, que arrecadou 129,7 milhões de dólares para combater o coronavírus. Tanto as lives musicais como o teatro por Zoom são novas plataformas artísticas, com toda a chance de continuar num mundo pós-pandemia. Já passei muito perrengue em teatro presencial. Tive peças fracassadas com trinta pessoas na plateia. Amigos com mais atores no palco do que público nas poltronas do teatro. Mas pelo Zoom… Beleza. A produção fica mais barata, fórmulas caseiras podem funcionar. O teatro descobriu a web, isso não é bom? Das lives de shows, nem preciso falar. Em meus verdes anos já assisti a Michael Jackson de pé embaixo de chuva. Que delícia aplaudir do sofá.

“O teatro descobriu a web, isso não é bom? Das lives de shows, nem preciso falar. Que delícia aplaudir do sofá”

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Também há quem interprete poemas ou minimonólogos pelo Instagram. Fazem expressões dramáticas, até choram. A pessoa não precisa de produção alguma. Só da cara de pau para sair recitando e interpretando sem que ninguém peça. Em geral é alguém que conheço, pois está na minha timeline. Sempre diz que espera minha opinião. Ai de mim! Dá para ser franco com alguém que estava se contorcendo dramaticamente na internet?

Os novos suportes são fantásticos e, certamente, vão evoluir em novas formas de expressão. São respostas artísticas aos desafios da pandemia. Apesar dos egos, e até por causa deles, a arte sempre dará um passo à frente.

Publicado em VEJA de 11 de novembro de 2020, edição nº 2712

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