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A história está ainda pior

Documento que incluía até projeção do número de mortes e de prejuízos em caso de ruptura mostra que a Vale sabia do alto risco de colapso da barragem

Por Roberta Paduan
Atualizado em 4 jun 2024, 15h54 - Publicado em 15 fev 2019, 07h00
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  • A tragédia provocada pela ruptura da barragem da Vale em Brumadinho é uma daquelas histórias que quanto mais se investigam, mais escandalosas ficam. Nos últimos dias, revelou-­se que a mineradora sabia que o risco de ruptura na Barragem 1 da mina do Córrego do Feijão era alto demais para ser tolerado — e era assim de acordo com padrões de segurança definidos pela própria empresa. Um relatório interno da companhia mostrou que a Barragem 1 — que ruiu em 25 de janeiro — apresentava o dobro da probabilidade de rompimento aceitável pela metodologia de análise de riscos da mineradora. O documento veio a público na terça-feira 12, depois que a Justiça de Minas Gerais levantou o sigilo de uma ação movida contra a empresa pelo Ministério Público estadual.

    O relatório é uma apresentação feita por um funcionário da Vale em 3 de outubro do ano passado, na qual ele discorre sobre a gestão de riscos geotécnicos da empresa. Escrita em inglês da primeira à última página, a apresentação começa exaltando o método de análise de riscos desenvolvido pela empresa como “referência no setor mineral”. O problema é o que revelam os slides seguintes. Das 57 barragens avaliadas pela tal metodologia, dez foram enquadradas na categoria “zona de atenção”. Em outras palavras, corriam severo risco de rompimento. Entre as dez estavam a Barragem 1 da mina do Córrego do Feijão, além da B-4, uma barragem menor, que acabou inundada pela primeira. A análise de risco é detalhada. Na página 23, por exemplo, um gráfico mostra o “potencial de perda de vidas humanas” em dois cenários. No primeiro — em que o sistema de alerta não funciona, como de fato não funcionou no dia fatídico —, a estimativa de mortes fica em uma faixa pouco abaixo de 500. Até quinta-feira 14, no fechamento desta edição, a contabilidade do desastre real somava 166 mortos e 155 desaparecidos. No cenário em que o sistema de alerta funciona até quatro horas antes da ruptura, o número calculado de mortos é bem menor, entre um e dez. Há ainda uma projeção de “conse­quên­cias financeiras” para a empresa em caso de colapso: cerca de 5 bilhões de reais — o que representa menos que o lucro líquido de um trimestre.

    Ao final da apresentação, faz-se uma afirmação considerada crucial pelos investigadores: “Todos os riscos com probabilidade acima de 1 em 10 000 por ano estão incluídos na Matriz de Riscos de Negócios da Vale e apresentados ao presidente e aos membros do conselho de administração da companhia”. O risco no Córrego do Feijão era o dobro, de 1 em 5 000. Portanto, o alto-comando da empresa conhecia as falhas de segurança do local? VEJA inquiriu a Vale a respeito. A área de comunicação da mineradora respondeu com uma longa perífrase, na qual se falava da “autonomia e independência funcional” dos “especialistas locais”. Em seu trecho final, a nota busca salvar a cara dos chefões: “Nem a Diretoria Executiva nem o Conselho de Administração precisam ser envolvidos em decisões relativas a situações emergenciais”. A linguagem corporativa é malandra: diz que os executivos não precisam ser “envolvidos”, mas não informa se sabiam ou não do perigo.

    Por fim, a Vale se sai com o mesmo discurso que vem repetindo desde o dia da catástrofe: “Não existe em nenhum relatório, laudo ou estudo conhecido qualquer menção a risco de colapso iminente da Barragem I da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho. Pelo contrário, a barragem possuía todos os certificados de estabilidade e segurança, atestados por especialistas nacionais e internacionais”. Tais certificados, como o site de VEJA informou em primeira mão, eram repletos de recomendações para que a mineradora redobrasse os cuidados com a drenagem da barragem, que apresentava risco de liquefação. Apesar de conceder o certificado de estabilidade, a consultoria alemã Tüv Süd orientou a companhia a suspender as detonações nas minas próximas, o que não foi feito.

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    A Vale entrou em uma fase de negação permanente, refutando qualquer responsabilidade sobre a catástrofe ocorrida em Minas. Na quinta-feira 14, o presidente, Fabio Schvartsman, afirmou que a mineradora “não pode ser condenada por um acidente, por maior que seja a tragédia”. A força-tarefa criada para investigar as causas do incidente tem visão diferente. Um dia antes, o promotor André Sperling afirmou, de acordo com as apurações, que a denúncia do Ministério Público contra a companhia será de homicídio. Segundo ele, ainda não se pode dizer se será culposo (sem intenção de matar) ou doloso (quando há intenção de matar ou se assume o risco de fazê-­lo). “É uma investigação complexa, mas há indícios claros de que a Vale sabia que o risco estava aumentando. Talvez o melhor caminho tivesse sido a evacuação.”

    Publicado em VEJA de 20 de fevereiro de 2019, edição nº 2622

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