A luta dos estados para reverter a limitação do ICMS nos combustíveis
A manobra barateou a gasolina, mas vai tirar bilhões de reais dos governadores em 2023
Os governadores eleitos ou reeleitos no processo democrático que termina neste domingo, 30, terão o que comemorar, claro, mas também não faltarão motivos para preocupação. A grande maioria herdará estados em dificuldades, com as finanças impactadas pela pandemia e pelo cenário de baixo crescimento econômico. Um dos maiores desafios, no entanto, foi criado por uma decisão de caráter político, tomada em meio ao calor da disputa eleitoral, e cujas consequências vão se arrastar ao longo deste e do próximo ano: a limitação da cobrança do ICMS, o imposto sobre circulação de mercadorias e serviços que respondeu por 80% de tudo o que foi arrecadado pelos cofres estaduais no primeiro trimestre de 2022. A medida, que tinha o objetivo de reduzir o custo da gasolina e do óleo diesel, passou a valer em junho, depois que o presidente Jair Bolsonaro sancionou uma lei, pela qual trabalhou no Congresso, que fixou alíquota máxima de 18% sobre combustíveis, gás natural, energia elétrica, transportes coletivos e comunicações em serviços essenciais — alguns estados cobravam mais de 30%. Pagar menos na gasolina é ótimo, mas os estados não estavam preparados para esse corte. Apesar do pouco tempo do novo teto, estimativas apontam prejuízos de até 54 bilhões já em 2022.
O tombo nas finanças estaduais não será, de fato, pequeno. Segundo avaliação do Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda estaduais (Comsefaz), deixará de entrar nos cofres algo em torno de 124 bilhões de reais em 2023, o que significa quase 20% de tudo o que é arrecadado em um ano (veja no quadro). O dinheiro a menos deverá afetar principalmente as verbas de educação, de saúde e dos municípios, destinos para os quais, segundo determinado por lei, os governos devem repassar mais da metade de toda a receita que chega por meio desse imposto. Em termos práticos, a redução pode significar corte de professores, embora isso ainda não tenha acontecido. A ONG Todos pela Educação projetou, a partir da nova alíquota, um prejuízo de 19,2 bilhões de reais em todo o país para o Fundeb, a principal política de financiamento de educação básica e responsável, majoritariamente, por pagar salários do magistério e que é financiado em grande parte pelo ICMS.
O impacto está sendo sentido até pelos estados com maior poder de fogo, como São Paulo, que viu sua arrecadação de ICMS crescer abaixo da inflação no segundo semestre. O governo paulista buscou uma solução a curto prazo e, com liminar concedida pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, conseguiu abater os prejuízos imediatos dos pagamentos de juros e parcelas da dívida que teria de fazer à União. Outros onze estados mais o Distrito Federal entraram no STF pedindo a revogação da lei, com o argumento de que um ente federal não pode fixar uma alíquota estadual.
A ação fez com que seu relator, o ministro Gilmar Mendes, criasse uma comissão com estados, Congresso e União para buscar soluções para o impasse. Os escolhidos se reúnem desde agosto e, até hoje, não chegaram a um acordo. “Serão afetadas especialmente as políticas de combate à pobreza. Até agora conseguimos impedir maiores consequências porque tínhamos reservas, mas ainda não sabemos como cobrir esse buraco em 2023”, alerta Marcellus Alves, secretário da Fazenda do Maranhão, que seguirá à frente da pasta com a reeleição do governador Carlos Brandão (PSB) — o estado perdeu 20% da receita de impostos.
A manobra de Bolsonaro e seus aliados no Congresso de obter algum dividendo eleitoral se mostrou não só prejudicial aos cofres dos estados, mas também não totalmente eficaz. Depois de uma diminuição de preços momentânea, os combustíveis voltaram a subir nas últimas duas semanas de outubro. Algo previsto por especialistas, como o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles, que esclarece, desde a sanção da nova lei, que o aumento dos preços tem relação com o mercado externo e a guerra na Ucrânia, e não com o ICMS. Rever a cobrança do imposto, evidentemente, é algo positivo. Mas é necessário que seja feito dentro de uma reforma tributária mais ampla (que, aliás, está parada há tempos no Congresso) e não uma medida abrupta e eleitoreira. “Essa confusão tem tudo para gerar governadores batendo na porta do presidente em busca de renegociações e planos de recuperação. É um problema que poderia ter sido evitado”, resume Felipe Salto, secretário da Fazenda de São Paulo. Ou seja, a questão dos preços não foi resolvida e pode abrir mais uma frente de desgaste político entre os governadores e o poder central. Em resumo, uma bomba-relógio que precisa ser desarmada.
Confira a apuração do resultado do segundo turno das eleições 2022
Publicado em VEJA de 2 de novembro de 2022, edição nº 2813