“Cresci em um bairro periférico de Guarulhos, em São Paulo. Apesar de humildes, meus pais conseguiam pagar meus estudos e do meu irmão com a renda de uma locadora, que fazia sucesso na época. Mas aí foi só a internet chegar que tudo virou de cabeça para baixo. A locadora faliu e nos vimos sem dinheiro e sem saída. Apesar da pouca idade, não queria abrir mão do curso de inglês nem da minha escola, que não era lá essas coisas, mas era melhor que as outras da região. Sempre soube que o estudo e o conhecimento abrem portas.
Aos 14 anos, precisei arrumar um emprego. Foi uma grande dificuldade, ninguém queria contratar um adolescente sem experiência. Acabei indo trabalhar na feira na barraca de laranjas da minha cunhada. De terça a domingo, eu acordava de madrugada, às 4h30 da manhã. Era uma rotina extremamente desgastante, só voltava para casa no fim da tarde. Era trocar de roupa e correr para a escola. Para quem trabalha durante o dia é muito difícil ter concentração nas aulas à noite porque você fica exausto.
Não curti a adolescência como meus amigos. Sábado à noite era meu dia de fazer as compras para a barraca. Não tinha festa, balada. Nada. E assim foi até eu terminar meu ensino médio. Nessa mesma época, minha mãe descobriu um câncer e foi um dos momentos mais devastadores para mim. Não tínhamos dinheiro para pagar os melhores médicos para ela. Precisávamos de carona até para levá-la nas sessões de quimioterapia.
Em 2006, ingressei na faculdade de turismo. Escolhi o curso meio sem querer, não tinha noção do que queria. Com o dinheiro da feira eu pagava a mensalidade, sempre atrasando uma parcela ou outra. E minha mãe, que era minha maior incentivadora, faleceu e não teve a oportunidade de ver minha formatura. O estudo virou uma válvula de escape. Consegui um estágio em uma multinacional e dedicava todo meu tempo a essa nova oportunidade. Lá mesmo descobri minha vocação para tecnologia da informação e decidi fazer um MBA na área. Me especializei mas ainda queria ir mais longe.
Por causa do emprego, passei a viajar muito para os EUA. Assim, comecei a refletir sobre a possibilidade de estudar em Harvard, ideia que até então parecia totalmente distante da realidade. Em 2015, me interessei por uma pós-graduação em administração na universidade americana. Criei um planejamento rígido para conseguir ser aprovado em todas as etapas do processo. O inglês precisava ser fluente. As notas nas provas internas também. Recebi a carta de aceite da Escola de Extensão de Harvard em 2020. Desabei em lágrimas. Passou um filme na minha cabeça. Me planejei mudar para os Estados Unidos em 2020, mas aí veio a pandemia e o curso ficou online.
Quando eu era pequeno, não tinha referências negras de sucesso. Quero que as pessoas pretas olhem para mim e saibam que elas podem realizar seus desejos. Por falta de representatividade, eu tinha dificuldade de sonhar alto. A única coisa que eu queria era um trabalho com teto para proteger do sol e da chuva, água para beber e um banheiro. Sei que ainda sou exceção, mas aguardo ansiosamente pelo dia em que todos terão oportunidades iguais.”