A advogada criminalista Flávia Froés, que integra a equipe de defesa informal do ex-vereador e médico Jairo Souza Santos Júnior, o Dr. Jairinho, no processo no qual ele é réu pelo homicídio de Henry Borel, de 4 anos, mantém amizade com o desembargador Siro Darlan, que preside a 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Trata-se da corte em que o habeas corpus que reivindica a liberdade do ex-parlamentar – preso pelo crime – deve ser julgado no próximo dia 9 de novembro. Embora seja um magistrado influente e por ser o presidente da Câmara, Darlan não tem direito a voto, contudo. Ele está afastado do Tribunal do Rio. No entanto, ainda está listado como presidente do órgão no site do TJ-RJ.
Flávia foi responsável por uma investigação paralela que gerou um dossiê com apontamentos que criticam os laudos periciais da Polícia Civil, além da divulgação do vídeo em que o político e a mãe da criança, Monique Medeiros, aparecem descendo do elevador do condomínio de luxo Majestic, na Barra da Tijuca (Zona Oeste da capital). A filmagem estava anexada aos autos do processo no qual Monique também é ré pela morte do menino. Já o documento, intitulado “Apontamentos Médico-Legais: observações a serem analisadas e discutidas em parecer”, não consta no mesmo processo. Além de comandar a corte que vai analisar o pedido de liberdade de Jairinho, o desembargador Darlan também é patrono de uma organização não-governamental fundada pela advogada, segundo informa o próprio site da entidade. Em uma rede social, Flávia também fez questão de demonstrar fortes laços com o deputado estadual Coronel Jairo (Solidariedade), pai de Dr. Jairinho. “25 anos de amizade. Gratidão não prescreve!”, declarou na última quarta-feira, 27, posando ao lado do patriarca do clã político.
Cinco pessoas ligadas ao caso Henry disseram a VEJA, sob condição de anonimato, que Flávia tem ambição de assumir a defesa formalmente no 2º Tribunal do Júri fluminense. “Ela está usando uma estratégia muito agressiva para conseguir isso”, disse uma delas. Quem representa Jairinho oficialmente nos autos do processo é o advogado Braz Sant’anna. Procurado pela reportagem neste sábado, ele não quis se manifestar sobre o assunto, mas reafirmou que segue atuando judicialmente, “com a mesma disposição de provar a realidade dos fatos”. Nesta semana, o defensor do político abriu uma queixa na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contra a colega por ela ter se apresentado publicamente como integrante da defesa do vereador cassado. Devido a isso, o habeas corpus que pede a liberdade de Jairinho foi adiado, a pedido, pela terceira vez desde que foi protocolado, em agosto deste ano.
Flávia confirmou à reportagem que mantém uma amizade há mais de 25 anos com Coronel Jairo. “Fui contratada pela família de Jairinho para fazer uma investigação defensiva, o que é legalmente permitido pela OAB. Foi feito um contrato e eu já entreguei o meu trabalho. Foi a família quem resolveu divulgar a documentação para a imprensa nesta semana. Presidi esse inquérito da defesa, composto por oito peritos. Não tenho dúvidas de que foi um acidente doméstico. Eu acredito que tanto Jairinho como Monique são inocentes”, disse ela, em entrevista concedida a VEJA neste sábado, contrariando as conclusões da Polícia Civil e do Ministério Público do Rio. “Meu trabalho poderá ser usado no processo ou não pela defesa dele ou a que [Jairinho] vier a constituir”, acrescentou. Questionada sobre se pretende assumir o Tribunal do Júri na defesa de Jairinho, ela citou seu currículo a fim de mostrar tem muita experiência no assunto, e mencionou aulas que costuma dar sobre a questão. Criticou, ainda, a atuação do advogado legalmente constituído no processo. “No lugar de produzir alguma coisa, ele deu um ‘piti’ na mídia, o que não ajuda em nada a defesa do Jairinho. Particularmente, acho que há insatisfação da família [de Jairinho em relação à defesa formal do ex-vereador].”
Sobre a relação de amizade que mantém com o desembargador Siro Darlan e com o pai de Jairinho, afirmou que isso não tem “influência” alguma no pedido de liberdade do ex-vereador. “Se a gente foi ver pelo critério de amizade, o Braz também tem amizades. Isso não gera nenhum tipo de impedimento e desmerece o meu trabalho técnico que foi feito. Minhas amizades não atrapalham, nem ajudam. O presidente da Câmara Criminal não vota em habeas corpus.”
A 7ª Câmara Criminal é um colegiado composto de cinco desembargadores. Além do presidente, há os magistrados Sidney Rosa da Silva, Maria Angelica Guimaraes Guerra Guedes e Marcius da Costa Ferreira. O último é o relator do pedido de habeas corpus, Joaquim Domingos de Almeida Neto. Ele já proferiu decisão monocrática contrária às solturas de Jairinho e Monique, em 12 de abril deste ano. Agora, o pedido vai a plenário para ser avaliado por um trio de magistrados. Embora ainda esteja listado como presidente da corte, Darlan não consta na lista dos desembargadores aptos a receber processos. Quem preside a corte interinamente, no momento, é a magistrada Maria Angelica.
Siro Darlan e Flávia Froés demonstram proximidade e se tratam como “amigos” nas redes sociais. Quando o desembargador foi alvo de uma operação da Polícia Federal por uma suposta venda de sentenças de soltura no Tribunal do Rio, em 24 de setembro de 2019, Flávia escreveu um post defendendo o magistrado, classificando a ação como uma “maldosa campanha difamatória”. Darlan se tornou réu por corrupção passiva devido a essa investigação, mas o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), encerrou a ação por considerar que a denúncia teria sido validada de forma irregular. Renato Darlan, advogado criminalista e filho do desembargador, chegou a curtir o post com a foto de Flávia e Coronel Jairo, mas desfez o gesto na rede social. Procurados por VEJA para comentar o assunto, Siro e Renato não foram localizados. O Tribunal de Justiça do Rio também não respondeu ao pedido de contato com o desembargador.
Flávia é conhecida como a “advogada do tráfico” devido ao fato de ter defendido os dois membros do primeiro escalão do Comando Vermelho: Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, e Márcio dos Santos Nepomuceno, o Marcinho VP. Também defende réus da facção paulistana Primeiro Comando da Capital (PCC). Ela se define como antipunitivista e usa as redes sociais com bastante frequência na tentativa de divulgar o seu trabalho. Foi alvo de uma investigação, em 2010, por supostamente trocar informações entre os chefes do Comando Vermelho presos em penitenciárias federais e o alto comando do tráfico de drogas em comunidades do Rio. No entanto, nada foi comprovado e as investigações foram arquivadas.