Anápolis recebe repatriados com orgulho e crítica a investimento na saúde
Mesmo aparentemente tranquilos sobre coronavírus, moradores procuram máscaras e álcool em gel nas farmácias
O termômetro marcava 18º graus quando os dois aviões da Força Aérea Brasileira pousaram – o primeiro às 6h06, o segundo às 06h12 – na Base Aérea de Anápolis, em Goiás, neste domingo, 9. Da aterrissagem até o desembarque se passaram vinte minutos, os últimos das 37 horas de voo desde Wuhan, na China. Com máscaras cobrindo nariz e boca e caminhando rapidamente, as 34 pessoas, brasileiros e seus familiares, além dos 24 tripulantes, foram encaminhados a um ônibus da Aeronáutica por militares completamente cobertos por um macacão de segurança e com máscaras cobrindo todo o rosto.
Após nova verificação do estado de saúde de cada um deles, foram levados até o hotel, na mesma base aérea, onde vão ficar por 18 dias, período de quarentena determinado pelo governo brasileiro. De acordo com o Ministério da Defesa, até aquele momento, todos estavam assintomáticos e apresentavam bom estado de saúde.
A cerca de 12 quilômetros dali, trabalhadores corriam para montar suas barracas da Feira Coberta de Jundiaí, tradicional mercado popular de alimentos na cidade. A rotina mantinha-se inalterada, a despeito da movimentação da imprensa e de militares na cidade. “Já chegaram?”, perguntou à reportagem o aposentado José do Carmo Simões, de 72 anos, que vendia seus abacaxis e melancias. Ele ignorava completamente a data e a hora de chegada do grupo repatriado. “Confio no que dizem as autoridades, que disseram não ter risco. Se os trouxeram para cá, eles vão ser bem-tratados e, quando saírem, vão conhecer a nossa hospitalidade. Espero que voltem para as suas casas falando bem da nossa cidade”, entusiasmou-se.
A mesma opinião tinha o fotógrafo Geovaine de Oliveira, de 47 anos, para quem acertou o governo brasileiro em “resgatar outros brasileiros em situação de perigo no mundo”. No entanto, ele lamenta que “os brasileiros que precisam de ‘resgate’ aqui dentro, em Anápolis mesmo, permaneçam abandonados”. “Veja o nosso posto de saúde. Lamentavelmente, e digo sem criticar o esforço para buscar nossos conterrâneos, se alguém precisar do posto médico vai sofrer o que os brasileiros na China não sofreram.”
Nos dois dias em que VEJA esteve em Anápolis – véspera e antevéspera da chegada dos brasileiros da China – não se viu nenhum morador usando máscaras hospitalares, mas foi possível verificar garrafas de álcool em gel espalhados pelos estabelecimentos comerciais. Gerentes de farmácias da cidade disseram à reportagem que houve aumento da procura pelos materiais. De acordo com Vilmair Rodrigues, de 35 anos, gerente da rede de Farmácias JK, foi necessário repor o estoque de máscaras ao menos uma vez desde que a cidade passou a ser cogitada para quarentena dos brasileiros vindos da China há uma semana. Marcos Francisco, da Drogaria Nacional, contabiliza crescimento de até 25% das vendas do material nas suas lojas. “Uma mãe disse que iria colocar (a máscara) no filho a partir de segunda, no retorno das aulas”, disse.
O prefeito de Anápolis, Roberto Naves, não esconde a satisfação de a cidade ficar em evidência nacional. “Você vai ver que quando tudo passar, os anapolinos sentirão até orgulho”, diz. Naves afirmou à reportagem que no início da última semana chegou a ser pressionado por moradores para que buscasse formas de recusar a recepção dos brasileiros vindos da China, mas que tão logo confirmado o local de quarentena, passou a fazer um esforço para informar os moradores de que não havia qualquer risco, ainda que algum dos repatriados tivessem doentes.
“Nenhum deles está com o vírus, ou pelo menos não teve sintoma, mas, ainda que tivessem, eu fiz um esforço, com entrevistas, vídeos, mensagens, para tranquilizar a população de que não havia qualquer risco de se espalhar o coronavírus a partir da base aérea”, afirmou. Deu certo. Os moradores com quem VEJA conversou ao longo de sábado e domingo não demonstraram medo. Um deles até reclamou do esforço e dos gastos com a repatriação, mas não se apegava a medo de transmissão da doença.
A programação é que fiquem completamente isolados até o dia 26 de fevereiro. Assim que os aviões pousaram, o general Manoel Luiz Narvaz Pafiadache, secretário de Pessoal, Ensino, Saúde e Desporto do Ministério da Defesa, afirmou que “todos os passageiros estão muito bem de saúde, estão assintomáticos.” Às 10h da manhã, após um período de descanso, o grupo de repatriados assistiu a um vídeo no qual lhes foi apresentada a área da base disponibilizada para a estada de isolamento.
Ao todo, são 38 suítes, com camas televisões e frigobares, além de acesso à internet e videogames. As crianças têm à disposição uma brinquedoteca e um pula-pula. Ainda no vídeo, eles foram informados de que serão examinados pelo menos três vezes ao dia e terão de transitar pela área do isolamento com máscaras e que, em caso de necessidade de saúde, eles poderão receber o primeiro atendimento dentro do complexo da base aérea e, se constatada a contaminação, serão levados de helicóptero para Hospital das Forças Armadas de Brasília, a 150 quilômetros dali.
Há a previsão de que o presidente Jair Bolsonaro vá ao local após o período de quarentena. Mas para recepcioná-los gravou um áudio dando-lhes as boas-vindas ao país. O áudio foi transmitido assim que entraram no espaço aéreo brasileiro. A atitude marcou a mudança de atitude do presidente, que inicialmente havia dito que o governo que não tinha intenção de buscar o grupo.
A modificação da postura presidencial não passou despercebida por Jean Carlo Soares Pereira, de 41 anos, encarregado de obras e morador de Anápolis. “É marketing político. Ele disse que não queriam contaminar o resto do país, que o problema era deles que foram para a China, agora se passa de herói. É tudo marketing.”
Estratégia política ou não, o aposentado José Neves de Siqueira Júnior, morador de Belo Horizonte, estava num misto de gratidão e cansaço, quando falou com VEJA no fim da tarde sábado. Ele havia entregue na prefeitura de Anápolis uma carta, na qual agradece aos brasileiros e à cidade pelo apoio a seu filho, o universitário Victor Campos Moura Neves e Siqueira, que faz um intercâmbio no país. “Estou esgotado e vou tirar o domingo para Deus, para agradecê-lo, depois de uma longa noite de sábado, esperando meu filho retornar ao Brasil.” Ele foi um dos poucos familiares do grupo chegado da China a ir desde já para a cidade. “Obrigado, obrigado”, repetia, agora, mais tranquilo.