Desde que retornou ao Palácio do Planalto, no início do ano, o PT tem se empenhado em editar alguns capítulos da história, especialmente os capítulos mais deletérios que envolveram o partido no passado recente. O mensalão, por exemplo, é uma prioridade. Em 2005, durante o primeiro governo Lula, descobriu-se que os petistas desviavam algumas dezenas de milhões de reais dos cofres públicos para comprar apoio político no Congresso. As provas obtidas durante as investigações, contundentes, levaram o Supremo Tribunal Federal (STF) a condenar e prender os principais dirigentes da legenda. Na nova versão petista, o escândalo foi uma invenção dos adversários, uma conspiração que teria contado até com a participação da CIA, o serviço de inteligência dos Estados Unidos. Nada mais justo, portanto, do que resgatar a imagem daqueles que teriam sido injustamente punidos. O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, o ex-presidente da Câmara dos Deputados João Paulo Cunha e o ex-tesoureiro Delúbio Soares — que cumpriram penas por corrupção e lavagem de dinheiro — já se reposicionaram. Agora é a vez de José Genoino, um dos mais emblemáticos personagens do caso.
O ex-deputado presidia o PT na época do escândalo. Era um parlamentar respeitado e influente no Congresso, onde exerceu sete mandatos. Condenado a quatro anos de oito meses de prisão por corrupção ativa, renunciou, cumpriu oito meses em regime semiaberto na penitenciária da Papuda, em Brasília, foi solto em 2014 e, depois disso, se afastou do partido e da vida pública. Seus amigos relatam que, após o escândalo, ele se tornou uma pessoa triste e amargurada. E o motivo era perfeitamente compreensível: Genoino teria se envolvido acidentalmente na história. Como presidente do partido, assinou um contrato que simulava um empréstimo bancário — na verdade, uma artimanha para dar aparência legal à entrada de dinheiro ilegal nos cofres da legenda. Ex-guerrilheiro, ele sempre afirmou que não sabia da tramoia, justamente porque a gerência dos assuntos financeiros ficava sob a responsabilidade da tesouraria do PT, na época comandada por Delúbio Soares. Os ministros do STF não deram crédito a essa versão.
Com a nova ascensão de Lula e do PT, Genoino, a exemplo dos antigos companheiros, decidiu deixar o ostracismo e tentar um novo recomeço. Aos 77 anos, ele conversa com o presidente, voltou a participar das atividades partidárias e, bem ao seu estilo, falar sobre tudo. Ele foi umas das estrelas escaladas para palestrar na Conferência Eleitoral do PT, um encontro que reúne militantes, políticos e pré-candidatos às eleições municipais do ano que vem. O ex-deputado quer voltar a influir nos rumos do partido, mas apenas como militante. Nada de cargos nem mandatos. “O Lula conhece minhas opiniões, e eu disse para ele que não ia disputar eleição. Ele podia ficar tranquilo que eu jamais ia reivindicar qualquer espaço político no governo”, disse ele, numa das muitas entrevistas que concedeu nos últimos meses. Entrevistas, é bom que se diga, para blogs de amigos e sites simpáticos ao partido. Na condição de militante petista, o ex-deputado mantém o estilo metralhadora, que fez dele um dos parlamentares mais atuantes durante os 26 anos em que esteve no Congresso.
Suas críticas não poupam o presidente da República, que estaria “cedendo demais” ao Centrão. Não poupam o Judiciário: “O sistema de Justiça incorporou o lavajatismo”. Não poupam o ministro da Fazenda, Fernando Haddad: “Nós vamos ter uma outra oportunidade, que é para enfrentar uma iniciativa que eu reprovo, de setores da equipe econômica do Haddad, de promover a desvinculação da saúde e da educação do orçamento”. E não poupam o próprio PT: “O partido tem que ficar mais autônomo em relação ao governo”. As mágoas afloram quando ele é indagado sobre sua condenação e o papel desempenhado no STF pelo ministro Joaquim Barbosa, o relator do processo do mensalão, que foi indicado ao Supremo por Lula em seu primeiro mandato.
Ao falar sobre esse tema, deixa escapar um evidente arrependimento por ter se engajado na campanha para nomear o primeiro ministro negro da Suprema Corte. “Eu não vou citar o nome, porque esta questão me machucou muito, porque eu fui denunciado e condenado pelo que eu era e não pelo que eu fiz”, diz. Os palpites do ex-deputado também passam pela política internacional. Para ele, o presidente eleito da Argentina, Javier Milei, é uma “caricatura pior que Bolsonaro”, e Lula deve dar “o troco” ao argentino por ter sido chamado de corrupto. Por último, faz uma observação curiosa sobre o ataque que deu origem à guerra entre Israel e o Hamas: “Há especulação de que o próprio Exército de Israel projetou, polarizou, aumentou a carnificina para botar a culpa no Hamas”. Jose Genoino está voltando — bem ao seu estilo.
Publicado em VEJA de 8 de dezembro de 2023, edição nº 2871