Considerado a maior planície alagada contínua do mundo, o Pantanal brasileiro ardeu em chamas durante uma boa parte de 2020: o aumento de cerca de 200% de focos de incêndio em relação ao ano anterior — que já havia registrado um crescimento de 320% em comparação com 2018 — consumiu 23% do bioma e estabeleceu um novo recorde de destruição, com prejuízos graves à flora, à fauna, aos rios, à população e à atividade econômica, boa parte dela baseada na atração de turistas em razão da exuberância ambiental da região.
O desastre em um dos principais patrimônios ecológicos do planeta partiu da combinação de incêndios criminosos com as altas temperaturas com uma das maiores secas dos últimos anos. Esse tipo de tragédia vem crescendo em todo o planeta e continuará acontecendo em maior escala se nada for feito para evitar ou corrigir os desequilíbrios ambientais. Um estudo da ONU divulgado em outubro constatou que nos primeiros vinte anos deste século ocorreram 7 348 desastres naturais no planeta, como incêndios, tempestades, secas e enchentes — 75% a mais que o verificado no período imediatamente anterior (veja quadro). Outro relatório, da Cruz Vermelha, aponta que, entre 2010 e 2019, houve 1 298 inundações, um número assustador se for levado em conta que aconteceram apenas 151 entre os anos 1960 e 1969. A ciência atribui a alta desses eventos principalmente ao aquecimento global. “Antes, o aumento da população vulnerável em áreas expostas era a maior causa de desastres de origem natural. Hoje, as mudanças climáticas tornaram esses fenômenos mais frequentes e intensos”, diz Carlos Nobre, um dos climatologistas mais renomados no mundo.
Uma das principais consequências das tragédias naturais é impactar de forma direta a vida da população: a estimativa da Cruz Vermelha é de que 108 milhões de pessoas precisaram de ajuda humanitária internacional em 2018 por causa desse tipo de incidente, sem contar aquelas que se socorreram com recursos próprios, da comunidade ou de governos. Mas a fúria da natureza também traz consequências indiretas de médio e longo prazo, como prejuízos à economia, incluindo a produção de alimentos. “Não estamos mais falando sobre a próxima safra, estamos discutindo se o Brasil terá alguma safra daqui a cinquenta anos”, diz Raoni Rajão, professor do departamento de engenharia de produção da UFMG.
Apesar da dimensão do problema, a perspectiva de melhora ainda é pequena. Com a quarentena à qual a maior parte da população mundial foi submetida na pandemia, esperava-se que os índices de carbono expelidos na atmosfera — um dos responsáveis pelo aquecimento global — sofressem uma queda brusca. Não foi o que aconteceu. A Organização Meteorológica Mundial auferiu que as reduções ficaram dentro da variação natural que se registra ano a ano. O Brasil tem se notabilizado como um dos vilões nessa área. O crescimento recorde do desmatamento da Amazônia contribuiu para que o país elevasse em 9,6% as emissões de carbono em 2019. Tudo indica que o estrago em 2020 será ainda maior.
Principal peça do esforço mundial para conter o ritmo de catástrofes, o Acordo de Paris visa a impedir que a temperatura global neste século aumente mais de 2 graus. Em 2019, o segundo ano mais quente da história, o termômetro do planeta esteve 1,1 grau acima dos níveis pré-industriais. No acordo, assinado em 2015, o Brasil se comprometeu a até 2025 reduzir em 37% os níveis de gases do efeito estufa em relação a 2005 e zerar o desmatamento ilegal até 2030. Com o controverso tratamento dado pelo governo Jair Bolsonaro à questão ambiental, alvo de críticas mundiais, nenhuma meta deverá sair do papel.
Mas há ventos soprando na outra direção. O presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden, além de voltar ao Acordo de Paris, revogando uma medida tomada por Donald Trump, promete um acelerado processo de descarbonização. Para isso, quer criar condições para que a produção de eletricidade seja livre de carbono até 2035 e para neutralizar as emissões até 2050. Entre as propostas estão um investimento de 2 trilhões de dólares nos quatro anos de mandato para tornar a infraestrutura americana mais eficiente energeticamente e a concessão de incentivos para que os consumidores troquem os seus carros por automóveis elétricos. Os maiores empresários do mundo também começaram a se mobilizar. Pressionado a conter as emissões de carbono da Amazon, que representam um volume maior do que o produzido pela Suécia, o bilionário Jeff Bezos anunciou que vai aportar 791 milhões de dólares em organizações de proteção ao meio ambiente e que vai criar um fundo de 10 bilhões de dólares com esse propósito. É um exemplo de gesto significativo na tentativa de mudar a marcha da história que pode nos levar a um futuro sombrio.
Publicado em VEJA de 13 de janeiro de 2021, edição nº 2720