Toda mudança na cúpula dos poderes da República provoca uma onda de especulações e articulações políticas. Quanto maior o cargo em questão, maiores são as ambições que ele desperta. É o que está ocorrendo agora com a aposentadoria da ministra Rosa Weber, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). Há meses, diferentes grupos de interesse tentam convencer o presidente Lula a indicar determinado nome para a mais alta Corte do país. Setores da esquerda querem emplacar uma mulher negra no posto, o que seria inédito na história do tribunal. Alas do PT trabalham para a nomeação de um nome da confiança do partido e principalmente do presidente da República, repetindo a estratégia adotada com a escolha de Cristiano Zanin para o STF. E há também os lobbies de caciques políticos. Um deles reúne os senadores Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) e Renan Calheiros (MDB-AL), que se enfrentaram na disputa pelo comando do Senado em 2019, além do mandachuva do PSD, o secretário de Governo do Estado de São Paulo, Gilberto Kassab. Próximo ao Palácio do Planalto, o trio quer aproveitar a dança de cadeiras no Supremo para, entre outras coisas, enfraquecer o grupo político do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o que pode gerar um problema para o governo.
O roteiro traçado envolve, além do Supremo, as duas Casas do Congresso. O ponto de partida é a indicação para a vaga de Rosa Weber do ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Bruno Dantas, que fez carreira pública sob as bênçãos de Renan Calheiros, mas é muito bem-visto por diversos setores nos três poderes. Por essa razão, Dantas é considerado um dos favoritos para o Supremo, ao lado do advogado-geral da União, Jorge Messias, e do ministro da Justiça, Flávio Dino. Se Dantas for escolhido, será aberta uma vaga para o TCU, cuja indicação caberá ao Senado. Começaria aí a segunda parte do plano: a indicação do próprio presidente da Casa, Rodrigo Pacheco, que trocaria o período restante de seu mandato à frente do Congresso por uma cadeira na Corte de Contas, da qual só seria obrigado a se aposentar quando completasse 75 anos. Com 46 anos de idade, Pacheco terá de disputar um novo mandato parlamentar em 2026 e, segundo seus próprios aliados, não terá vida fácil no eleitorado de Minas Gerais. A eventual renúncia dele ao Senado obrigaria a Casa a realizar uma nova eleição para a presidência, a fim de escolher um nome para um mandato-tampão. O favorito na disputa seria Davi Alcolumbre, antecessor e principal cabo eleitoral de Rodrigo Pacheco.
Um dos parlamentares mais poderosos do país desde o governo de Jair Bolsonaro, Alcolumbre comanda atualmente a Comissão de Constituição e Justiça do Senado, a mais importante da Casa, responsável por sabatinar e votar as indicações ao Supremo. Pode ser mera coincidência, mas a interlocutores de Lula ele tem dito que Flávio Dino, se indicado, enfrentará grande resistência dos senadores, ao contrário de Bruno Dantas, que já foi do quadro de funcionários da Casa. Em tese, Alcolumbre é beneficiário direto do plano. Ele pretende disputar a presidência do Senado novamente em 2025, mas, se Pacheco for indicado ao TCU, pode voltar ao cargo um ano antes. Cumpriria o mandato-tampão e depois ainda teria o direito de concorrer a mais dois mandatos consecutivos, exatamente como já fez Rodrigo Maia na Câmara, após a queda de Eduardo Cunha. Ou seja: em vez de liderar o Congresso por quatro anos, Alcolumbre poderia comandá-lo por cinco anos. Nas articulações sobre o tema, Kassab sugeriu a Renan a possibilidade de Alcolumbre trocar o União Brasil pelo MDB. O PSD perderia o controle do Senado com a eventual ida de Rodrigo Pacheco para TCU, mas seria compensado em outra frente: a Câmara dos Deputados.
É justamente nesse ponto que a articulação pode se tornar um problema para o governo. Numa conversa recente com Kassab, Renan Calheiros disse que o MDB pode apoiar o líder do PSD na Câmara, Antonio Brito, para suceder a Arthur Lira (PP-AL) na presidência da Casa. Renan trabalharia inclusive para convencer a bancada de deputados do PT a apoiar Brito contra os outros concorrentes — entre eles, o líder do União Brasil, Elmar Nascimento, candidato apadrinhado por Lira, que é rival do senador no estado de Alagoas. Os petistas, de fato, têm certa simpatia por Brito. E Renan, de fato, quer fazer o possível e o impossível para enfraquecer Lira. Como de costume, falta combinar com Lula. Após as eleições, o mesmo Renan tentou convencer o presidente da República a lançar um candidato para impedir a reeleição de Lira na Câmara, mas o petista não aceitou a sugestão, ao perceber que não teria como derrotar um dos expoentes do Centrão. Nada indica que Lula deixará esse pragmatismo de lado, em 2025, para bater de frente com Lira e o Centrão. Assessores do presidente dizem que ele só embarcará nessa aventura se tiver chances reais de vencer a disputa — e, mesmo assim, analisaria não só o nome de Brito, mas de outros postulantes de partidos de centro, como o do presidente do Republicanos, deputado Marcos Pereira.
Desde o início de seu terceiro mandato, Lula tem negociado um acordo político com Lira e o Centrão. Nomes indicados por PP e Republicanos assumiram recentemente ministérios. Houve ainda certa pacificação nas relações entre líderes de parte a parte. O presidente, por exemplo, aparou arestas com Elmar Nascimento, que durante a campanha eleitoral do ano passado chamou o petista de corrupto. Nascimento quase virou ministro, mas acabou preterido, segundo a versão corrente em Brasília, graças a um veto do chefe da Casa Civil, Rui Costa, de quem é adversário político na Bahia. Depois de ter a demissão pedida por Arthur Lira, Costa procurou o presidente da Câmara e Elmar Nascimento para conversar. Em busca do armistício, o ministro disse, entre outras coisas, que não há veto da parte dele à candidatura de Elmar Nascimento ao comando da Casa. Parlamentar mais poderoso do país, Lira dá como certo que elegerá o aliado. Qualquer sinal de resistência da parte do Planalto teria o condão de dificultar a relação com o Centrão, que, apesar de tantas concessões, ainda é bastante conturbada.
Procurado por VEJA, Antonio Brito disse que é cedo para antecipar o debate sobre a eleição para a presidência da Câmara, mas não desperdiçou a oportunidade para tentar mostrar, com fotos e vídeos, que é bem relacionado com todos os partidos da Casa. Presidente da Comissão de Seguridade por três vezes, o deputado falou com orgulho da boa relação que tem com petistas históricos, como a deputada Benedita da Silva, e com bolsonaristas notórios, como a deputada Bia Kicis (PL-DF). Ele também destacou seu bom relacionamento com o governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues, e mostrou uma foto tirada com Lula durante a 78ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU). Já o entorno de Arthur Lira adota silêncio quando o assunto é a sucessão de 2025. Ciente de seu poder, o deputado afirma que só vai começar a tratar do tema a partir de agosto do próximo ano e classifica como um “tiro na água” qualquer especulação sobre eventual derrota de seu candidato. Por dois motivos. Primeiro, porque Lira, mantido o cenário atual, deve ser o principal cabo eleitoral da votação, mais influente até do que Lula. Segundo, porque ele está fazendo o que pode para dar protagonismo a Elmar Nascimento, que vem assumindo a relatoria de projetos relevantes, participado de reuniões com figurões do PIB e buscado desde já o apoio dos principais líderes partidários.
Para o grupo do presidente da Câmara, o deputado Antonio Brito não tem o apoio dos principais líderes do Congresso, é um candidato “fraco” e tido como um “pau mandado” do cacique de seu partido, Gilberto Kassab. “O Arthur vai sair e será substituído por alguém que tem chefe? Não faz sentido. Nenhum deputado vai terceirizar a liderança dele para ser liderado”, diz um aliado do comandante da Câmara. Calejado por derrotas em seus mandatos anteriores, Lula costuma dizer que não cabe ao governo se meter nas eleições do Congresso. Faz sentido, ainda mais quando a disputa pode gerar fissuras em sua claudicante base parlamentar.
Publicado em VEJA de 29 de setembro de 2023, edição nº 2861