Concebidos para representar um antídoto contra a miséria e a desigualdade, os programas de transferência de renda têm eficácia comprovada no combate a essas chagas. O Brasil, aliás, se tornou um dos maiores laboratórios para esse tipo de experiência, a partir do lançamento do Bolsa Escola, em 2001, na gestão Fernando Henrique Cardoso. O governo do PT, que lhe sucedeu, consolidou essa e outras políticas de assistência sob o guarda-chuva do Bolsa Família. Ao longo de sua trajetória (completou exatos vinte anos em 2024), essa iniciativa transformou-se em uma marca poderosa. Ainda que tenha perpassado outros governos, acabou associada mais fortemente à figura de Luiz Inácio Lula da Silva, responsável pelo seu lançamento. Inevitavelmente, virou um grande instrumento político para o governante da vez, não importando seu matiz ideológico. Basta lembrar que até Jair Bolsonaro empunhou a mesma bandeira.
Isso não ocorreu por acaso. Vários estudos comprovam o efeito benéfico do programa, a exemplo de um trabalho da FGV/Ibre que constatou a redução da quantidade de pessoas em situação de extrema pobreza no país, de 15,4 milhões em 2019 para 9,5 milhões em 2023. Devido ao sucesso da iniciativa, ela vem sendo expandida de forma acelerada, atingindo os números mais robustos da história justamente no terceiro mandato de Lula. Desde o início, a quantidade de famílias com acesso ao programa mais que dobrou, chegando hoje a 20,8 milhões. Nesse mesmo período, o valor do benefício saltou de 66 reais para 682,56 reais.
Esses bons resultados não podem de nenhum modo deixar em segundo plano a necessária discussão a respeito do aperfeiçoamento do programa. Persistem ralos importantes por onde escoa dinheiro público, a começar pelo número alto de pessoas que recebem o benefício de maneira irregular. Segundo auditoria do TCU, nada menos que 4,7 milhões de famílias se encontravam nessa condição. O prejuízo potencial com esse desvio é de 34,2 bilhões de reais por ano. Outro ponto é o estímulo à informalidade: treze dos 27 estados têm hoje mais beneficiários do Bolsa Família do que gente com carteira assinada, evidência de que muitos evitam a CLT para continuar recebendo o dinheiro.
Para além desses problemas, há uma questão ainda mais essencial, relacionada à dependência criada pelo programa, que deveria acudir os necessitados apenas durante um período emergencial, e não se tornar um elemento de composição de renda permanente para muitas pessoas, como ocorre atualmente. Até hoje não se encontrou a chamada porta de saída, que permitiria aos beneficiários descartar a ajuda à medida que passassem a contar com outras ferramentas para deixar a condição de pobreza, como a educação e a qualificação profissional. Em reportagem da semana, exemplos do exterior e especialistas no assunto mostram caminhos possíveis para uma nova e cada vez mais necessária fase do Bolsa Família.
Publicado em VEJA de 2 de agosto de 2024, edição nº 2904