As evidências da tragédia em Petrópolis, na região serrana do Rio, são sinestésicas. Assim que se chega às áreas centrais da cidade, todos os sentidos são despertados para o nível de destruição causada pela chuva, que já levou a 105 mortes em menos de 24 horas. A poeira domina o ar, a lama cobre o asfalto. Casas, praças e pontes estão destruídas. Os sons de helicópteros e de sirenes de viaturas, ambulâncias e caminhões dos bombeiros atordoam os ouvidos. Por todos os lados, moradores e ajudantes carregam cobertores e alimentos não perecíveis, sempre de botas ou sacolas plásticas nos pés. Enquanto isso, a água insiste em escorrer pelas ruas.
Tudo isso no Centro da antiga sede do Império, a cerca de 70 quilômetros da capital do Rio. Dali para dentro dos bairros em que a maioria dos corpos foi encontrada, o estrago é ainda maior. No Morro da Oficina, onde estima-se que tenha havido o número mais superlativo de mortes, o cenário é de destruição quase completa. A demora dos bombeiros para chegar ao local, quando os estragos começaram a acontecer, fez com que moradores tivessem que iniciar o trabalho de buscas de corpos. Alex Blatt, de 32 anos, encontrou nos escombros quatro corpos de vizinhos. Eram pessoas que estava acostumado a ver pelas redondezas.
“Depois da nossa busca, trouxemos os bombeiros para cima. Tinha um homem dentro da casa ainda vivo, mas ele veio a óbito porque não aguentou. Acho que estava com hipotermia, com a perna quebrada. E havia mais três corpos aqui jogados em cima da terra. Foi caótico. É muito triste ver as pessoas em cima da terra”, recorda, com o corpo e a camisa do Real Madrid tomados pela lama.
Além das casas que se foram, há aquelas em situação de risco, que foram evacuadas porque podem cair a qualquer momento. Rosa Santos, de 59 anos, passou pelas duas situações. Viu a filha ficar sem teto, enquanto ela própria precisou sair de casa. “Minha filha perdeu tudo: a casa, as roupas da bebê dela. A casa veio abaixo”, conta, enquanto aguardava a distribuição de pão e água feita pelos bombeiros. “Minha casa está na área de risco, estou esperando a Defesa Civil dizer se vou poder voltar. Somos 21 pessoas em uma casa sem água.”
A carga emocional da força-tarefa é alta. Técnica de enfermagem no Hospital Leônidas Sampaio, Tatiane Pinheiro pouco parou desde ontem, mas não conseguiu evitar as pausas para descarregar a emoção. “Estamos há mais de 30 horas trabalhando. Vemos o desespero das famílias e também ouvimos histórias muito trágicas. Já parei para chorar duas vezes hoje”, conta.
A operação de busca por corpos desaparecidos mobiliza cerca de 500 bombeiros. Em outra frente, a Polícia Civil colocou 200 policiais a serviço da cidade. São peritos, papiloscopistas e profissionais de necropsia, por exemplo. Além dos mortos, há 377 pessoas desabrigadas – pelo menos 50 casas foram destruídas. “É uma situação quase que de guerra. Toda a nossa equipe está mobilizada: Corpo de Bombeiros, secretarias e demais órgãos do estado. Atuamos no resgate e salvamento de vítimas, desobstruindo estradas, atendendo pessoas que perderam seus bens com medicamentos e remoções”, disse o governador Cláudio Castro.
O presidente Jair Bolsonaro deve chegar na sexta-feira à cidade. Na Rússia para reuniões diplomáticas, ele voltaria para Brasília, mas mudou o destino para a serra fluminense. O governo do Rio deixou claro que a ajuda federal é essencial para a reconstrução da região. No momento, o que tem salvado a sobrevivência dos que ficaram desalojados é a solidariedade. “As pessoas estão muito solidárias, doando muitos alimentos”, conta a moradora Rosa Santos.
Colaborou Caio Sartori