Acusado de lavagem de dinheiro pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, o policial militar reformado Ronnie Lessa, réu pelo atentado que matou a vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes, admite sem constrangimento que tinha várias fontes de renda. Na entrevista concedida com exclusividade a VEJA e autorizada pelo Supremo Tribunal Federal, ele afirma que só na academia que mantinha no miolo do bairro de Rio das Pedras, na Zona Oeste carioca, chegava a tirar entre 70 000 a 90 000 reais mensalmente, em meados de 2014. “A academia tinha 1 200 alunos que pagavam um pacote mensal entre 49 reais e 90 reais”, contabiliza. O lucrativo negócio incluía lanchonete e lojas de conveniência e material esportivo. Contava ainda, segundo o PM aposentado, com um consultório com uma equipe de três nutricionistas. Nada, porém, era declarado à Receita Federal.
Sua renda mensal oficial era de 7 095,05, provenientes da aposentadoria da PM. A partir da autorização da quebra de sigilos fiscal e bancário de Lessa, o Ministério Público fluminense verificou que Lessa movimentou 5,7 milhões de reais entre 2014 e 2019. O volume foi verificado em suas contas bancárias e de “laranjas”, segundo a investigação, e a maior parte era oriunda de depósitos em espécie e de origem não identificada. O próprio sargento reformado, durante a entrevista, admitiu que quase toda a movimentação de sua próspera academia de ginástica acontecia em dinheiro vivo. “Eu botei uma máquina de passar cartão, mas tive que devolver. Ninguém pagava assim, tanto que comprei uma máquina contadora de cédulas”, descreve. O PM aposentado afirma também que a lojinha esportiva e a lanchonete que funcionavam dentro do complexo eram uma verdadeira mina de ouro: “Botando a parte de lanches, mais os produtos de esporte como luvinha, meia, essa coisa da lojinha, aquilo ali dava quase 30 000 reais por mês”, garante.
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Embora rechace o título de miliciano, Lessa não explicou como conseguia manter um negócio tão vultuoso em Rio das Pedras, área controlada por milicianos que extorquem e ameaçam moradores e comerciantes a partir de cobrança de taxas irregulares. No período em que manteve a academia, entre 2014 e 2016, a comunidade era dominada pelo temido Escritório do Crime – grupo de milicianos e matadores de aluguel comandado pelo ex-capitão Adriano da Nóbrega, morto na Bahia pela polícia em fevereiro de 2020. Segundo Lessa, os problemas só começaram quando Adriano propôs sociedade no negócio com a finalidade “de lavar dinheiro”. Contou que não aceitou e que teve que vender às pressas a academia por 500 000 reais, um quarto do disse valer na época.
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Em uma hora de entrevista, tempo estipulado pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen), o PM reformado ainda listou outras fontes de renda não declaradas às autoridades. Contou que possui onze quiosques na favela de Manguinhos, Zona Norte do Rio, área dominada pela facção criminosa Comando Vermelho. “Não sei se, depois de preso, ainda tenho os quiosques porque ninguém sabia que eu era policial. Aquilo ali dava 30 000 reais por mês”, diz. Lessa ainda contou que era proprietário de uma casa em Jacarepaguá e tinha planos de montar uma pousada em Angra dos Reis.
Mas não é só isso. Mesmo com o salário de PM aposentado declarado, de acordo com o MP, seu patrimônio saltou exponencialmente. “Inúmeros bens foram adquiridos pelo denunciado, incluindo imóvel de luxo na orla da Barra da Tijuca, imóvel em Angra dos Reis, imóvel em Mangaratiba, dentre outros e uma lancha de 33 pés e veículos de elevado valor, sendo que parte destes bens foi ocultada em nome de laranjas”, enumera a denúncia da promotoria fluminense. Parte do patrimônio do réu pelo assassinato de Marielle e Anderson deve ser leiloada em breve. O pedido já foi feito e está na mesa do juiz Bruno Monteiro Rulière, do 1ª Vara Criminal Especializada do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.