O economista José Carlos Alves dos Santos foi protagonista do maior escândalo de corrupção no Congresso na década de 90. Em 1993, ele revelou que as grandes empreiteiras mantinham uma sociedade criminosa com deputados e senadores. No Congresso, uma CPI foi instalada para apurar o caso. Alves dos Santos confirmou as acusações e apontou Odebrecht, Andrade Gutierrez, OAS e Queiroz Galvão como integrantes do grupo que agia à margem das instituições, manipulando e desviando dinheiro público — algo, se não idêntico, muito semelhante ao que seria descoberto pela Operação Lava Jato 21 anos depois.
A VEJA, o responsável por revelar ao país o esquema de corrupção conhecido como Anões do Orçamento contou que os escândalos da década de 90 e o atual são realmente muito parecidos. Leia:
O senhor denunciou o esquema dos Anões do Orçamento. O que mudou passadas mais de duas décadas?
Os lobistas e as empreiteiras estão aí. Eu citei todos eles, e todos eles continuam aí até hoje do mesmo jeito. Evidentemente tudo se aperfeiçoa, mas, em princípio, o esquema da Lava-Jato é basicamente igual: uma empreiteira dá dinheiro ao parlamentar. O parlamentar, então, vota a emenda, depois vai lutar pela liberação dos recursos junto ao ministério e ganha mais uma comissão.
Por que as denúncias daquela época ficaram por isso mesmo?
A sociedade nunca tomou nenhuma atitude em relação à corrupção. O que está havendo agora é que o pessoal de Curitiba e o juiz Sergio Moro estão começando a agir. O próprio STF não agia contra a corrupção. Quantas denúncias foram apresentadas no escândalo dos Anões do Orçamento? Quantos foram processados? Cinco ou seis perderam o mandato por decisão do Congresso, que precisava entregar a cabeça de alguém para poder acalmar a sociedade. Há, inclusive, gente que foi denunciada por mim, que estava envolvida já naquela época e que agora aparece neste novo escândalo da Lava-Jato.
Quem?
Não vou falar porque não quero botar lenha na fogueira, mas são pessoas deste governo e do governo anterior. Na época, eu falei de cerca de quarenta parlamentares. Alguns estão aí até hoje e em altos cargos da República. Tudo o que fiz, passei e sofri não serviu para nada. Não é muito estimulante, principalmente quando a gente vê os políticos que estão por aí controlando este país.
O senhor diria que ainda é um arquivo vivo?
Já me pediram muito que escrevesse um livro. Recebi propostas também para filmes, mas não quero trazer mais polêmicas. Tenho anotações de quando fui preso pela primeira vez. Deixei algumas coisas anotadas porque tinha medo de que me matassem. São denúncias, dossiês de políticos do Congresso. Estão guardados com algumas pessoas — mas não vou dizer quem são. Isso foi o meu seguro, mas como o seguro morreu de velho…
Depois dos Anões do Orçamento, o país conheceu o mensalão e o petrolão, mas o Congresso parece inerte diante de denúncias. O Congresso é uma escola de corrupção?
Com certeza é. Um deputado neófito, de primeiro mandato, do interior e que não sabe de nada, começa a ver um colega fazendo aquilo. Não acontece nada com o corrupto, e o novato aprende. Muita gente se corrompe por viver naquele ambiente. Eu digo inclusive por mim. Eu via isso dentro do Congresso e aprendi lá. Era como mariposa em torno da luz. Você está naquele ambiente e acaba convivendo com tudo. Como não há demissões, prisões nem condenações, as pessoas vão pensando que podem ir cada vez mais longe e que não vai acontecer nada com elas.
O senhor se considera o primeiro grande delator do país?
Não. Na época foi um negócio espontâneo meu. Hoje a pessoa delata para poder levar vantagem. É combinado com advogado, todo o negócio é armado para diminuir uma pena. Na minha época não tinha nada disso. Mas considero que a delação é válida. É uma maneira de investigar: sacrifica-se a pena de um para poder pegar o resto e desmontar um esquema.
O senhor denunciou corruptos mas também admitiu ser um deles. Que fim levou a propina que recebeu de deputados?
Eu tinha 1 milhão de dólares em casa e entreguei aos policiais.
Além de integrar o esquema de corrupção, o senhor ficou marcado também pela acusação de ter mandado matar sua mulher.
Eu não matei a minha mulher. Fui para o júri achando que ia sair livre. Quando acabei condenado, fiquei arrasado, mas depois me levantei de novo. Não tinha nenhuma prova material contra mim, só os depoimentos dos dois homens que a mataram. Esses depoimentos estavam cheios de contradições. Hoje vou levando a minha vidinha. Nunca mais soube (dos assassinos). Hoje eu não tenho raiva de ninguém. Raiva não adianta nada, ódio não adianta nada.
O que o levou a virar evangélico e a pregar em cultos ao redor de Brasília?
Eu me converti quando estava preso. Estava desesperado. O ambiente psicológico era pesado, tinha perdido a minha mulher e estava sem entender nada. Eu recebia Bíblias, livros de espiritismo e budismo e lia tudo o que me caía nas mãos. Antes, até ridicularizava quem andava com a Bíblia, mas, quando caí na necessidade e na angústia, vi que tudo isso ajuda muito. Quando estava preso e fui julgado, tive uma crise forte e pensei: “Eu me converti, eu estou bem, li a Bíblia, sou outro cara, mudei. Então não vou ser condenado”. Quando veio a condenação, foi uma paulada: “Meu Deus, por que isso?”.
Condenado por corrupção, o senhor dividiu uma ala da prisão com presos como Henrique Pizzolato e o ex-senador Luiz Estevão. Como era a rotina?
Normalmente as pessoas, quando vão presas, ficam muito angustiadas. O início é muito duro, mas a gente procura dar força, conversar, mostrar que é um período da vida. Montamos uma igreja lá dentro. Tinha um pastor, e fazíamos um culto. Fui para a ala da cadeia onde estavam os mensaleiros, o ex-senador Luiz Estevão e presos mais vulneráveis e que não tinham crime de sangue — boa parte era crime sexual —, e a gente sempre dava muita força a eles. Na camaradagem a conversa era sobre futebol. Eram todos gente boa, entre aspas. São todos seres humanos, como eu também. Era cada um cumprindo a sua pena, tendo as suas angústias. Não se pode fazer nada. O ser humano se adapta.
O senhor denunciaria tudo de novo?
O “se” é muito difícil. Se eu fizesse isso, se eu fizesse aquilo… Não sei se faria diferente. As pessoas se afastaram. Ninguém queria ser visto comigo. Nunca mais fui ao Congresso, mas não me interessa. Consegui restabelecer minha vida e acho que estou vivendo bem.
Como o senhor gostaria de ser lembrado? Preferia que me esquecessem. Para que lembrar disso tudo depois de 25 anos?
Não quero aparecer mais. O que vou ganhar com isso? Todo mundo morre um dia. Eu já estou no lucro, com 75 anos. O que não quero é sofrer, morrer sofrendo, ficar na cama entrevado. Deixa eu levar minha vida tranquilo. Quero ficar quieto.
Para ler a reportagem na íntegra, compre a edição desta semana de VEJA no iOS, Android ou nas bancas. E aproveite: todas as edições de VEJA Digital por 1 mês grátis no Go Read.