O Ministério Público Federal (MPF) em Minas negou que as interceptações telefônicas realizadas durante a investigação sobre o rompimento da barragem da Samarco em Mariana, interior de Minas, tenham ocorrido fora do prazo estabelecido pela Justiça. A Justiça Federal de Ponte Nova (MG) suspendeu a ação criminal contra 22 pessoas e quatro empresas pelo rompimento da barragem do Fundão, que provocou a morte de 19 pessoas e soterrou o distrito de Bento Rodrigues em novembro de 2015.
“Na verdade, as interceptações indicadas pela defesa como supostamente ilegais sequer foram utilizadas na denúncia, por isso, não teriam o condão de causar nulidade na ação penal”, diz o MPF.
A Procuradoria disse ainda que “mesmo assim, respeitando o direito de defesa, o MPF concordou em esclarecer a questão e pediu, como mostra a decisão, que fossem oficiadas as companhias telefônicas para que esclareçam os períodos de efetivo monitoramento de cada terminal.” A PF, que também analisou as escutas, disse que “até o presente momento, não foi, oficialmente, comunicada sobre o fato pela Justiça”.
Em 17 de fevereiro, os delegados da Polícia Federal Alexandre Leão, chefe da delegacia regional de combate ao crime organizado, e Roger de Lima Moura, chefe do inquérito que investigou o rompimento da barragem, afirmaram desconfiar de que a Samarco vinha tentando esconder informações.
Os delegados disseram ainda que já haviam sido constatadas divergências nos depoimentos de representantes da empresa, sobretudo em relação ao número de piezômetros, que são equipamentos utilizados para medir a pressão de líquidos dentro de estruturas —no caso específico, na barragem de Fundão.
Precariedade
A troca de mensagens entre diretores da Samarco, que estavam em aparelhos eletrônicos apreendidos pela PF, mostraram também que a cúpula da mineradora não só foi informada de problemas com a represa como articulava estratégia para lidar com a precariedade da estrutura. Nas conversas, Vescovi, ao saber de trincas na estrutura, em agosto de 2014 diz “O quê? Ai, ai, ai”.
As conversas foram obtidas pelos delegados em busca e apreensão nas plantas da Samarco nas cidades de Mariana (MG) e Anchieta (ES). No caso, o interlocutor, Kleber Terra, ex-diretor de Operações da Samarco também acusado, afirma ao chefe que a situação estava sob controle. A defesa de Vescovi e Terra foi a que conseguiu na Justiça a suspensão da ação criminal em Ponte Nova.
Famílias
A reação de ativistas e pessoas diretamente afetadas pela tragédia, diante da suspensão do processo, foi de indignação. Representantes de movimentos e integrantes de comissões se disseram surpresos com a medida judicial, que, para eles, demonstra impunidade no caso do rompimento da barragem.
Integrante da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens, Joceli Andrioli disse que a Justiça trata o povo “como bobos”. “Estamos estarrecidos de ver essa completa inoperância da Justiça. Parece de fato que a tendência é se fazer vista grossa em relação a grandes empresas que cometeram o maior crime social e ambiental dos últimos tempos”, disse.
Andrioli sustentou que as provas do processo vão muito além das escutas e são suficientes para que os acusados sejam condenados. “Espero que a sensatez retorne a esse processo porque há necessidade de punição exemplar para que fatos semelhantes não voltem a acontecer no nosso País”, completou.
A posição foi compartilhada por Thiago Alves, integrante da comissão de atingidos de Barra Longa, segunda cidade a ser afetada pela lama da barragem. “Existe um sentimento coletivo de total descrença com a Justiça e a certeza da impunidade das mineradoras. O clima é de uma grande indignação”, disse. Alves disse que cobrará do Ministério Público Federal (MPF) medidas para tentar reverter a decisão. “O mínimo que esperamos é essa responsabilização.”
(Com Estadão Conteúdo)