Ícone de fechar alerta de notificações
Avatar do usuário logado
Usuário

Usuário

email@usuario.com.br
Mês dos Pais: Revista em casa por 7,50/semana

Congresso e governo ampliam cerco ao vale-tudo digital, mas crise abre novos desafios

Projeto aprovado pela Câmara marca uma vitória. Problema da segurança online, no entanto, não será solucionado apenas com novas legislações

Por Bruno Caniato Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 23 ago 2025, 08h00

O projeto de lei 2.630, de 2020, que ficou conhecido como o “PL das Fake News”, perambulou pela Câmara durante quase cinco anos, despertou todo tipo de resistência, a maioria sob o discurso de que ele ameaçava a liberdade de expressão. Ficou mais tempo nas gavetas do que em discussão até ser enterrado de vez no ano passado pela absoluta dificuldade de um tema como a regulação das redes sociais avançar no Congresso em meio ao ambiente político polarizado. Na última quarta, 20, no entanto, a discussão que não saía do lugar, enfim, andou. Em decisão histórica, a Câmara dos Deputados aprovou um marco regulatório que obriga as plataformas a assumir a responsabilidade pela proteção de menores de idade na internet. O projeto de lei 2.628, de 2022, que ganhou a alcunha de “ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) Digital” ou de “PL da Adultização”, originalmente elaborado pelo senador Alessandro Vieira (MDB-SE), foi alterado pelos deputados e voltou ao Senado, onde havia sido aprovado em 2024. O avanço na tramitação marca uma vitória em meio à indignação social com a erotização de jovens no ambiente virtual e a disparada de casos de pornografia infantil nas redes.

A aprovação do projeto não foi simples. Mesmo o combate à exploração infantil nas redes sendo um tema consensual, houve resistência da oposição bolsonarista, em especial sobre os mecanismos de aplicação da lei — o temor era dar poder excessivo ao governo e permitir censura, o que foi atenuado por mudanças do relator, Jadyel Alencar (Republicanos-PI), como a previsão de um órgão regulador autônomo e a retirada de pontos que a oposição considerava subjetivos na definição do que era conteúdo ofensivo. A proposta aprovada tem 41 artigos, que passam pela definição das empresas afetadas pela lei, o rol de conteúdos ilegais ou inadequados, a privacidade de dados de usuários, o controle de idade para uso das redes sociais e sanções por descumprimento das regras. Segundo o texto, as plataformas devem tomar “medidas razoáveis” para mitigar a distribuição de conteúdo a menores de idade e estão proibidas de praticar “a monetização e o impulsionamento de conteúdos que retratem crianças e adolescentes de forma erotizada ou sexualmente sugestiva ou em contexto próprio do universo sexual adulto”. Também fica vedado o “perfilamento” das atividades de menores para fins de direcionamento de publicidade. Outra medida é criar ferramentas para que os pais controlem o acesso dos filhos.

CUIDADO - “Sharenting”: prática de expor os filhos na web vira motivo de alerta
CUIDADO - “Sharenting”: prática de expor os filhos na web vira motivo de alerta (iStock/Getty Images)

A aprovação foi impulsionada por um vídeo do youtuber Felipe Bressanim Pereira, o Felca, que foi visto por quase 50 milhões de pessoas e expôs a dinâmica da exploração infantil nas redes. A onda também ajudou o governo, que vai enviar ao Congresso dois projetos com a intenção de colocar as big techs sob rédeas curtas em duas frentes: sobre os conteúdos que publicam e sobre a forma como exercem sua atividade econômica no país.

O primeiro projeto estabelece às plataformas digitais o “dever de prevenção” em relação a comportamentos flagrantemente criminosos nas redes. O texto impõe a obrigação de monitorar e remover, ativamente, publicações que caracterizem pornografia infantil, sexualização de menores de idade e incitação ao suicídio ou à automutilação — em boa parte, medidas previstas no projeto aprovado na Câmara —, mas também inclui golpes e fraudes cibernéticas, violência contra a mulher, apologia ao terrorismo, falsidade ideológica de autoridades e órgãos públicos e atentados à democracia e ao Estado. Ficaram de fora os delitos ligados à desinformação e contra a honra, como calúnia e difamação, que devem ser analisados individualmente pelos moderadores e podem ser judicializados pelos usuários.

Continua após a publicidade

arte redes sociais

Um ponto que pode levantar controvérsias será sobre quem vai aplicar a lei. Para fazer valer as regras, o projeto prevê o fortalecimento da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), órgão fundado em 2020 e responsável, hoje, por garantir o tratamento adequado das informações pessoais dos brasileiros em todas as esferas públicas e privadas. Rebatizada de Agência Nacional de Proteção de Dados e Serviços Digitais, a entidade receberá um robusto reforço de mais de 200 funcionários — praticamente dobrando o quadro atual, em concurso público que já está em andamento — e será encarregada de fiscalizar se as plataformas estão adotando os mecanismos adequados à moderação de conteúdo. Em caso de descumprimento generalizado das regras, as sanções vão desde advertências e multas até a suspensão temporária da rede social em território brasileiro.

A escolha da ANPD para a missão representa um avanço em relação ao “PL das Fake News”, que propunha a criação de um colegiado, cujas atribuições e competências opacas levantaram questionamentos pertinentes sobre o poder do Estado na regulação das redes. “Criar instituições no Brasil não é uma tarefa simples, e nós já demonstramos a expertise e a capacidade de garantir uma atuação técnica na proteção digital dos brasileiros”, diz Miriam Wimmer, diretora da ANPD.

Continua após a publicidade
ENGAJADOS - Moraes em debate com influenciadores no STF: ministro propõe varas especializadas para crimes digitais
ENGAJADOS - Moraes em debate com influenciadores no STF: ministro propõe varas especializadas para crimes digitais (Rosinei Coutinho/STF)

Em elaboração desde o ano passado, o projeto passa por ajustes na Esplanada dos Ministérios e, até quinta 21, ainda não havia sido divulgado na íntegra. Independentemente da versão final, o governo não terá vida fácil para aprová-lo. De imediato, a proposta terá de superar a muralha bolsonarista na Câmara, que atribui a qualquer tentativa de regulação a pecha de censura. Despindo o tema de rótulos ideológicos, há válidas preocupações com a garantia da liberdade de expressão dos internautas e o risco de instrumentalização e abuso por parte do Executivo. Para especialistas, uma legislação eficiente deve priorizar critérios objetivos. “A lei deve definir o que são situações de risco, pressionar as plataformas a ajustar seus algoritmos de moderação e garantir que o usuário saiba por que uma publicação sua veio a ser removida”, diz Rafael Zanatta, diretor da ONG Data Privacy Brasil. Exemplos de leis que seguem esses princípios e são capazes de combater os crimes virtuais sem exceder as atribuições do Estado vieram nos últimos anos da Austrália e de países europeus (veja o quadro).

Em paralelo à moderação de conteúdo, o governo tem outro projeto, com foco na regulação comercial das big techs no país. Na mira estão cinco das seis empresas mais valiosas do planeta: Microsoft, Apple, Google, Amazon e Meta, as “Big Five” do Vale do Silício. No Brasil e no mundo, as gigantes tecnológicas são investigadas por práticas econômicas predatórias, como barreiras à concorrência em lojas de aplicativos, favorecimento a métodos próprios de pagamento e prejuízo à competição em anúncios e sistemas operacionais. A ideia da lei, gestada pelo Ministério da Fazenda, é ampliar a estrutura do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que media conflitos de natureza empresarial e pode sancionar companhias por abuso de poder de mercado.

Continua após a publicidade
VIRAL - O youtuber Felca: denúncia sobre “adultização” mobilizou debate público
VIRAL - O youtuber Felca: denúncia sobre “adultização” mobilizou debate público (Leandro Chemalle/Thenews2/Agência O Globo/.)

O passo inicial para a regulação mais dura no Brasil já havia sido dado, em junho, pelo Supremo Tribunal Federal. Em decisão histórica, a Corte derrubou parcialmente a blindagem das plataformas digitais, previstas na versão original do Marco Civil da Internet, e as tornou responsáveis por um rol de crimes cometidos por usuários, como sexualização de menores, assédio sexual, pornografia ilegal, incitação a automutilação e suicídio e apologia ao terrorismo. Na última semana, o Judiciário decretou a prisão preventiva do influenciador Hytalo Santos, investigado pelo Ministério Público da Paraíba por exploração sexual infantil e tráfico humano. Santos ficou sob escrutínio público após o vídeo de Felca mostrar como ele explorava crianças e adolescentes vestindo roupas curtas, fazendo danças provocativas em festas com bebidas alcoólicas e falando sobre sexualidade. Na última semana, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, se reuniu com produtores de conteúdo digital para promover a pauta do combate a crimes virtuais e defendeu o incentivo à criação de varas e promotorias de Justiça especializadas em delitos digitais.

Cabe ressaltar que os projetos em curso não deixam de lado as responsabilidades da família — inclusive em suas próprias redes sociais. Cada vez mais cresce a preocupação sobre os perigos do “sharenting”, o compartilhamento excessivo de fotos, vídeos e informações sobre os filhos por parte dos pais e responsáveis, colocando os pequenos sob risco de superexposição e abordagem por predadores online. Para especialistas, além da aprovação de regulações eficazes sobre as big techs, a solução envolve investir em educação digital em todas as camadas da sociedade. “A tutela de menores é uma obrigação multidisciplinar, pautada no tripé entre família, Estado e sociedade. Cabe ao poder público promover a educação, e às plataformas, fornecer as informações necessárias para fortalecer as boas práticas na internet”, explica Renato Opice Blum, professor de direito digital na ESPM.

Continua após a publicidade
TELA - Jovens nos celulares: Austrália vetou redes sociais a menores de 16 anos
TELA - Jovens nos celulares: Austrália vetou redes sociais a menores de 16 anos (Drazen Zigic/Getty Images)

Em que pese o louvável esforço das autoridades na briga para enquadrar as plataformas digitais na lei, o problema da segurança online é complexo e não será solucionado apenas com novas legislações — são necessários uma conscientização constante sobre riscos e proteção e um amplo esforço estatal para incluir toda a população na nova era digital. De qualquer forma, a sinalização de que a internet não é uma terra sem lei já é um bom começo.

Publicado em VEJA de 22 de agosto de 2025, edição nº 2958

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

MELHOR OFERTA

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*
De: R$ 16,90/mês
Apenas 9,90/mês*
OFERTA MÊS DOS PAIS

Revista em Casa + Digital Completo

Receba 4 revistas de Veja no mês, além de todos os benefícios do plano Digital Completo (cada revista sai por menos de R$ 7,50)
De: R$ 55,90/mês
A partir de 29,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a 9,90/mês.