Até hoje, Jair Bolsonaro nunca enfrentou uma oposição organizada e competente, como a que o PT fez ao tucano Fernando Henrique Cardoso. Suas dificuldades — e não são poucas — foram criadas basicamente por ele próprio, através de tentativas destrambelhadas de intimidar o Congresso e o Supremo Tribunal Federal ou pela sua postura negacionista e ilógica em relação à pandemia da Covid-19. Ao falar bobagens em sequência e defender causas indefensáveis, não é exagero dizer que Bolsonaro tornou-se o pior inimigo de seu governo. Entre os seus adversários políticos reais, o único que vinha fazendo um contraponto efetivo, ainda que de forma moderada, era o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ). Por essa razão, partidos de esquerda, como o PT, e de centro, caso do PSDB, antigos adversários no cenário nacional, resolveram trabalhar juntos por Baleia Rossi (MDB-SP), o candidato de Maia na eleição da Câmara, e contra Arthur Lira, “o nome de Bolsonaro”. A ideia era, com a formação dessa espécie de frente ampla, preservar um importante bastião de resistência e impedir o fortalecimento do projeto de reeleição do ex-capitão. Deu tudo errado.
Com as vitórias de Lira e do senador Rodrigo Pacheco, Bolsonaro passou a contar com aliados na chefia das duas Casas do Congresso, consolidou sua parceria com o Centrão e mostrou que exerce um poder de atração sobre legendas que trabalham hoje pela construção de candidaturas presidenciais alternativas em 2022. A rigor, foi a segunda demonstração de força em menos de seis meses. Nas eleições municipais, o presidente não conseguiu eleger aliados nas grandes capitais, mas as siglas que apoiam a sua gestão deram um salto nas urnas. Fechados com Bolsonaro, Progressistas, PSD e PL conquistaram, respectivamente, 184, 114 e 51 prefeituras a mais do que em 2016. Já o PSDB, que pretende lançar o governador João Doria ao Planalto, perdeu 278 prefeituras, enquanto o PT continua — merecidamente — ladeira abaixo. O partido de Lula, que estava à frente de 630 municípios em 2012, caiu para 256, em 2016, e 179 agora. Os oposicionistas esperavam que Bolsonaro desidratasse diante das crises econômica e sanitária, das caneladas institucionais e da diplomacia errática. A torcida foi em vão.
O fortalecimento político do presidente contrasta com a debilidade de seus rivais. No campo da esquerda, o PT continua à procura de um discurso e a reboque de seus principais líderes. Lula submergiu e se dedica basicamente a lutar pela anulação de suas condenações e pela recuperação de seu direito de disputar eleições — o maior torcedor para que ele consiga chama-se Jair Bolsonaro. Dilma Rousseff só se manifesta em público para reiterar que foi vítima de um golpe. Já a engrenagem petista vive rachada quanto a decisões estratégicas. Nas eleições municipais, dividiu-se entre lançar o máximo de candidaturas próprias nas grandes cidades, tese que prevaleceu, e compor com aliados. Na sucessão na Câmara, a opção por apoiar Baleia Rossi superou por margem estreita a ideia de lançar concorrente ao cargo. Desde o início do mandato de Bolsonaro, o PT parece anestesiado. Não organizou grandes manifestações populares (quando elas podiam acontecer) nem pressionou pela convocação de ministros para prestar esclarecimentos, uma prerrogativa parlamentar que funciona como arma de embate político. Num sinal claro da desorientação reinante na sigla, a letargia de 2020 deu lugar a uma grita recente nas redes sociais a favor do impeachment do presidente, medida que, no momento, não encontra respaldo nas ruas ou no Congresso.
Com a retomada dos trabalhos legislativos, o PT pretende defender a prorrogação do auxílio emergencial — um evidente tiro no pé. A julgar pelo que ocorreu no ano passado, quando os parlamentares aumentaram o benefício de 200 reais, valor proposto pelo governo, para 600 reais, imaginando que isso desgastaria Bolsonaro, foi o presidente o único a colher os louros da medida. “Bolsonaro conseguiu capitalizar todas as boas iniciativas do Congresso, muitas das quais articuladas pela oposição. O risco de ocorrer novamente nos próximos dois anos é grande, mas o que vamos fazer: negar nossas políticas?”, diz o líder do bloco independente no Senado, Weverton Rocha (PDT-MA). “Nossa oposição terá de ocorrer quando o governo enviar medidas que retirem direitos do cidadão.” Hoje, a principal estratégia dos esquerdistas consiste em torcer para que Bolsonaro se desgaste sozinho, como ocorreu no caso da vacinação. Líder do PSB na Câmara, o deputado Danilo Cabral (PE) diz acreditar, num misto de torcida e análise, que mais adiante a população perceberá a atuação “criminosa” do governo diante da pandemia.
Por enquanto, a esquerda não tem nem discurso nem candidato natural elegível ao Planalto. A tendência é que lance alguns postulantes ao cargo, já que o hegemonismo do PT é coisa do passado. No centro, a situação não é muito melhor. Com Rodrigo Maia na presidência da Câmara e o crescimento registrado na eleição municipal de 2020, quando conquistou 198 prefeituras a mais do que em 2016, o DEM — ou parcela do partido — passou a nutrir o sonho de construir uma candidatura própria à Presidência, capaz de romper a polarização entre PT e Bolsonaro. Maia tinha preferência pelo apresentador Luciano Huck, que pensa em se filiar à legenda. O deputado também mantinha conversas com o PSDB de Doria e até com o PDT de Ciro Gomes, que continua em voo-solo querendo, sem muito sucesso, unir a esquerda. A derrota de Baleia Rossi, porém, atingiu Maia em plena articulação e revelou que boa parte do DEM pode andar de mãos dadas com Bolsonaro em 2022.
Filiados ao partido, Tereza Cristina e Onyx Lorenzoni são ministros de pastas poderosas: Agricultura e Cidadania. E o próprio presidente da legenda, ACM Neto, nunca fechou as portas para uma aliança com o presidente. Afinal de contas, seu maior interesse é ser governador da Bahia na próxima eleição e, por lá, o grande inimigo é o PT — não Bolsonaro. No PSDB, as divisões também são evidentes. Capitaneados pelo grupo de Aécio Neves, os tucanos chegaram a cogitar um desembarque da aliança com Baleia Rossi, mas recuaram diante da intervenção de líderes como Fernando Henrique Cardoso. O ex-presidente argumentou que o partido teria dificuldade para se explicar aos eleitores em 2022 caso debandasse para os lados da dupla Arthur Lira e Bolsonaro.
Melhor nome do PSDB ao Planalto, João Doria tem trabalhado para formar uma coligação com DEM e MDB, partidos que têm cargos na gestão Bolsonaro. O governador, que tem meses decisivos pela frente, até conseguiu fazer contraponto ao presidente na questão da vacinação contra a Covid-19, ganhando popularidade. Apesar disso, ele continua pouco conhecido fora de São Paulo e bem atrás nas pesquisas de intenção de voto para a sucessão presidencial. Nelas, Bolsonaro lidera com folga nos cenários de primeiro turno, e seus rivais mais competitivos são Lula e o ex-ministro Sergio Moro, que se afastou temporariamente da política para ganhar a vida na iniciativa privada. Enquanto a oposição patina em busca de um discurso e de nomes, vai ficando cada vez mais claro que, por enquanto, Bolsonaro tem apenas ele mesmo como adversário.
Publicado em VEJA de 10 de fevereiro de 2021, edição nº 2724