“Crime organizado está em processo de consolidação na Amazônia Legal”
Pesquisador da Cartografia da Violência chama atenção para o aumento do domínio do Comando Vermelho e do Primeiro Comando da Capital na região
Estudo publicado na última quinta-feira, 30, pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública trouxe uma radiografia completa do crime na Amazônia Legal, que ajuda a entender a complexidade da violência no mais extenso território do país – e o menos policiado também. A segunda edição da Cartografia da Violência na Amazônia mostra o aumento do crime organizado e da presença de duas grandes facções, o Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro, e o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, em 178 municípios amazonenses. Cada vez mais as facções ampliam suas atuações se apropriando de outros tipos comuns de crime na região, como grilagem de terras e garimpo. “Entendemos que estamos vivendo um processo de consolidação desses dois grandes grupos na região”, diz Wellington Moraes, do Instituto Mãe Crioula, que é um dos autores do levantamento. Para entender melhor o que acontece no maior pulmão do mundo, a Veja entrevistou Moraes. Abaixo o bate-papo com o pesquisador.
O estudo identifica um aumento de facções na Amazônia Legal. O crime organizado é o principal responsável pela maioria dos homicídios?
Essa é a segunda edição da Cartografia da Violência Brasileira. Na primeira, identificamos essas duas grandes facções, CV (Comando Vermelho) e PCC (Primeiro Comando da Capital), além de 12 outras facções menores. Identificamos também que o crime organizado está presente em 178 municípios. Neste segundo trabalho, registramos o aumento para 22 fações. Essas facções contribuem, sim, para o aumento do número de mortes na região, mas o crime organizado não é o único responsável pelas mortes. Na Amazônia temos problemas históricos, como grilagem de terras, garimpo ilegal, desmatamento, conflito com indígenas e tráfico de pessoas. Há uma série de ilícitos que se relacionam e contribuem para o aumento das mortes.
Tem como dimensionar o impacto do crime organizado no número de mortes?
Não me sinto à vontade. Isso exigiria um refinamento da pesquisa. Aqui na Região Norte, quando acontece um homicídio, como o acesso é difícil, até o perito chegar, o corpo já foi removido e a identificação da causa da morte fica prejudicada. A proposta do nosso trabalho é o monitoramento contínuo. Talvez na próxima edição, no ano que vem, já seja possível fazer esse filtro e identificar quanto das mortes se devem ao tráfico. As facções contribuem com essa taxa, mas não sabemos quanto.
Há uma mudança no comportamento do crime?
Essas facções começam a participar de outros circuitos da economia. Há estados onde a facção chega no garimpo apenas para vender a droga. Mas existem situações em que o PCC se apropria da produção do garimpo: extrai, comercializa e utiliza as vias de circulação (aérea, fluvial e rodoviária) para fazer o escoamento da droga.
O número de facções aumentou em dez nesta segunda edição. Por que aumentou? Há mais facções regionais ou internacionais surgindo?
O registro do aumento se deve, em parte, à ampliação da nossa análise de investigações. Sabemos que existem facções locais, dispersas na Amazônia, mas o PCC e o CV buscam aliados e, quando não são bem-sucedidos nessa aliança, partem para o conflito. Por causa disso estouram chacinas nos grandes presídios, como tivemos notícias nessa última década. Mas, quando analisamos os municípios que foram registrados no primeiro estudo, notamos a maior presença do CV, que vem impondo o domínio.
Então houve uma mudança desse mapa?
Sim, houve. É notável o aumento do domínio do Comando Vermelho e do PCC nos municípios da região amazônica e do processo de diversificação das atividades deles, como o garimpo ilegal, como já citei.
Essa diversificação é mais recente?
Todos os ilícitos tradicionais da Amazônia estão na mira dessas facções atualmente.
Aqui em São Paulo, as regiões dominadas pelo PCC tiveram a diminuição do número de mortes, porque o homicídio atrapalha os negócios. Por que na Amazônia as mortes aumentam?
Nos municípios onde estão consolidados, os homicídios diminuem. Na baixada de Belém, por exemplo, é proibido roubar. Mas a imposição das regras só acontece quando a facção está consolidada. Quando não está, existe o conflito e mais mortes.
Em que momento essas facções estão na Amazônia Legal?
Entendemos que estamos vivendo esse processo de consolidação, principalmente nos municípios identificados como intermediários e rurais, com destaque para as faixas de fronteira, porque são estratégicos, pois são locais de escoamento da droga e de venda de varejo. O PCC pode requerer o controle de Belém, Macapá e São Luís? Pode, sim, porque estão na calha do Amazonas. É um processo em curso.
O que chama mais atenção nesse trabalho que vocês fizeram?
A capacidade de as facções se articularem com faccionados que estão na fronteira. Eles estabelecem esse circuito. Pegam a droga que está na tríplice fronteira, trazem para o Sudeste e abastecem o comércio internacional. Essa forma de abastecer, de driblar a polícia, impor as leis e perpetuar o domínio é o que me chama mais atenção.
Qual é a saída?
Nosso papel é fazer o levantamento e apresentar os dados. Não me sinto à vontade, mas sabemos que a Amazônia é muito grande e que sofre pela violência do crime organizado. Precisa haver uma ação conjunta do governo federal e local nessa região. Apresentei a Cartografia da Violência na COP28, em Dubai. Mas as estratégias precisam ser analisadas conjuntamente com outros países que estão nesse circuito das drogas.