Embora tenha se tornado quase um sinônimo dos bastidores de Hollywood em 2017, o assédio sexual não é, infelizmente, um problema restrito ao showbiz. Pesquisa do instituto Datafolha com 1.427 entrevistadas a partir de 16 anos revela que 42% das brasileiras já foram vítimas desse comportamento, que, pela legislação brasileira, é considerado contravenção penal quando ocorre na rua e crime quando envolve uma relação hierárquica entre as partes. Assédio é diferente de estupro, que envolve contato, “conjunção carnal”.
O número, se já chama a atenção, pode ser ainda maior, de acordo com especialistas e representantes de grupos feministas. Um levantamento realizado em 2016 no Brasil pela organização internacional ActionAid apontou um índice mais de duas vezes maior, de 86%, mas ouviu um número três vezes menor de entrevistadas, 503 brasileiras.
Ainda que a amostragem da ActionAid tenha sido menor, o estudo indica que a realidade pode mesmo ser diferente daquela apresentada pelas entrevistadas do Datafolha. A discrepância entre o resultado da pesquisa e o que se passa nas ruas, empresas e domicílios do país se deveria ao fato de que muitas mulheres têm receio de falar a respeito e outras não se dão conta de que estão sendo ou que foram assediadas.
Muitas sequer sabem que se trata de uma violência e de um crime, como explicou a fundadora da ONG Think Olga, Juliana de Farias, à Folha de S. Paulo. “As mulheres vivenciam isso, mas entendem que é parte do que é ser mulher”, diz Jules.
Como mostra o Datafolha, a formação e condição de cada entrevistada podem influenciar na resposta. O número das mulheres que disseram já ter sofrido assédio é maior entre as que têm ensino superior completo, 57%. Entre as que estudaram até o Ensino Fundamental, apenas 26% afirmaram ter sentido o problema. Entre as que concluíram o Ensino Médio, 47%. A educação pode levar a um maior esclarecimento do que é assédio e a um questionamento maior da violência.
Do total de entrevistadas, um terço (29%) diz ter enfrentado o assédio na rua e um quinto (22%), no transporte público. No trabalho, 15% teriam passado por esse tipo de constrangimento. Na escola e na faculdade, 10% e, em casa, 6%. Há casos em que uma mesma mulher foi assediada mais de uma vez, em ambientes diferentes.
Também segundo a pesquisa, o número sobe entre as mais novas: 56% das mulheres entre 16 e 24 anos confirmam ter sofrido assédio ao menos uma vez na vida. Na faixa de 25 a 34 anos, o índice é de 50%, e cai para 45% no grupo com idade de 35 a 44. Na faixa de 45 a 59 anos, o índice é de 34% e de 24% no grupo com 60 anos ou mais.
É fato que as gerações mais novas estão mais atentas para a questão, mas a pesquisa não faz uma relação direta entre os dois fatores.
Mulata, sexo e Carnaval
Também não há uma relação direta, na pesquisa Datafolha, entre a hipersexualização da mulata, adotada como símbolo sensual do país desde os anos 1930 e o fato de negras e pardas serem grandes vítimas desse mal. Mas, de fato, negras e pardas estão entre as que mais apontam ter sofrido assédio: 46% e 45%. As orientais, porém, são as que mais denunciaram assédio na pesquisa: 49%. Entre as brancas, o índice foi de 40% e entre as indígenas, de 34%.
A confirmação do assédio sobe ainda conforme a renda. Entre as mulheres de famílias com renda mensal de mais de dez salários mínimos, 58% disseram já ter sido vítimas. Nas famílias com renda de 5 a 10 mínimos, o índice é de 50%. Ele cai um pouco, 48%, na faixa da renda mensal de 2 a 5 mínimos e para 38% na faixa até 2 salários mínimos.