De olho nas prefeituras, Lula quer percorrer o país com pacote de obras
A intenção do presidente é apoiar aliados, fortalecer o governo e preparar o caminho para 2026
Na segunda-feira, 8, em reunião no seu gabinete, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva acertou o retorno ao PT, após nove anos, da ex-prefeita Marta Suplicy, convencendo-a a deixar a gestão de Ricardo Nunes (MDB), onde era secretária de Relações Internacionais, e apoiar o concorrente dele, Guilherme Boulos (PSOL), na corrida pela prefeitura de São Paulo. Três semanas antes, havia colocado num palanque em Itaquera, na populosa Zona Leste paulistana, um punhado de ministros, incluindo o ex-prefeito Fernando Haddad (Fazenda), para assinar um contrato para 2 600 apartamentos do Minha Casa, Minha Vida em área ocupada pelo MTST, movimento de sem-teto liderado por Boulos. Os dois gestos, carregados de simbolismo, revelam o quanto Lula está decidido a se envolver na campanha deste ano, que considera estratégica, não só para seu governo, mas para pavimentar a sua reeleição em 2026.
A preocupação de Lula foi deixada clara já em dezembro. Em reunião ministerial na qual apresentou o balanço do governo em 2023, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, afirmou aos colegas que em 2024 o presidente vai “colocar o pé na estrada”. E reforçou que este será acima de tudo um “ano de entregas”. Ali ficou decidido que tanto Lula quanto os ministros deveriam ampliar as agendas nos estados, acompanhando e inaugurando obras e projetos. No horizonte, uma meta ambiciosa: Lula quer visitar os 26 estados ainda no primeiro semestre.
A bagagem do presidente estará pesada. Nela estarão vultosos programas de considerável potencial eleitoral e que deverão ser a chave para a construção de palanques regionais. Apenas o Novo PAC prevê 1,7 trilhão de reais em áreas como infraestrutura, transporte, energia e saúde, com uma diversidade de investimentos e grandes obras, como a conclusão da Ferrogrão (ferrovia que liga o Mato Grosso ao Pará), a construção do Túnel Santos-Guarujá e a retomada do programa Luz para Todos, que tem como meta universalizar a energia elétrica no Norte e Nordeste. O que brilha aos olhos do governo, porém, são obras menores, mas de impacto em eleições municipais, como escolas e postos de saúde. Só no PAC Seleções, que terá 136 bilhões de reais, há 35 000 projetos em 5 344 cidades.
Outra grande aposta é o Minha Casa, Minha Vida, que tem priorizado a retomada de obras paradas. Apenas em 2023, cerca de 22 000 unidades habitacionais foram reiniciadas. Há empreendimentos em andamento em 1 861 municípios — um em cada três cidades do país. A estratégia tem um cálculo eleitoral: obras paradas podem ser reiniciadas rapidamente e têm potencial de conclusão a curto prazo, a tempo de servirem como vitrine eleitoral. O governo contabilizava no início do mandato 14 000 empreendimentos suspensos, dos quais 4 300 eram creches e escolas. “Retomamos muitas dessas obras a partir de forças-tarefas com prefeitos e governadores, que atualizaram o valor das obras paralisadas, coisa que nunca tinha acontecido”, afirma André Ceciliano, secretário de Assuntos Federativos. O pacote também inclui um razoável “estoque” de recapeamentos de rodovias federais e mais de cem institutos de ensino superior — um deles, em Fortaleza, será o novo campus do ITA, uma das mais renomadas instituições de ensino do país, cujo anúncio será explorado em viagem de Lula.
A estratégia é uma velha conhecida: eventos do governo casados com a presença de candidatos nas capitais mais cobiçadas. Além de São Paulo, Lula tem interesse em emplacar aliados no Rio de Janeiro e Recife, onde apoiará as reeleições de Eduardo Paes (PSD) e João Campos (PSB). Em Salvador, capital nunca comandada pelo partido, que governa o estado há cinco mandatos, a tendência é apoiar Geraldo Júnior (MDB), vice do governador Jerônimo Rodrigues (PT). “Vou apresentar ao presidente Lula a lista de obras do Novo PAC Seleções. Entre elas, a estação de metrô no Campo Grande, uma demanda antiga”, discursou Rui Costa em uma estação de Salvador no dia 26 de dezembro. Até o fim de janeiro, a expectativa é que Lula viaje a ao menos seis estados — já na próxima semana está prevista a visita a Pernambuco, Bahia e Ceará, onde participará de anúncios de obras federais em educação, tecnologia e energia. Ainda estão sendo negociadas agendas no Rio de Janeiro, Minas Gerais e Santa Catarina.
As eleições deste ano se mostram importantes para Lula e o PT não apenas para o partido se recuperar do fiasco de 2020, quando não conquistou nenhuma capital. Um dos objetivos é usar o grande pacote de investimentos para sacramentar alianças regionais que tenham eco nas relações com os partidos no Congresso, marcadas por dificuldades. Distribuição de obras, dinheiro e apoio eleitoral podem aproximar legendas mais voláteis com o governo, como União Brasil e PP, além de fortalecer a relação com siglas como MDB, PSD e PSB. Um exemplo é Macapá, onde Lula esteve em 18 de dezembro para entregar mil moradias, ao lado de Davi Alcolumbre (União), que pode comandar o Senado a partir de 2025 — seu irmão, Josiel, vai disputar a prefeitura. A eleição de aliados nas capitais é vista como importante para um bom desempenho nas eleições parlamentares de 2026 — uma base mais alinhada é tudo o que Lula gostaria de ter em um eventual quarto mandato.
O investimento pesado do governo nas eleições é tão prioridade que gera certo desconforto com a área econômica. Fernando Haddad (Fazenda) foi bastante cobrado na Conferência Eleitoral do PT em dezembro, em Brasília, que deu a largada para a campanha. “Há um problema orçamentário. Prometeu-se déficit zero e ao mesmo tempo promete-se ampliar obras, programas sociais. Como haverá esse equilíbrio entre gastos públicos e meta fiscal?”, questiona Paulo Ramirez, professor de Ciências Políticas da ESPM. Ele lembra que o governo fechou acordo com o Centrão para disponibilizar 53 bilhões de reais para emendas parlamentares. “Isso mostra que Lula soube jogar o jogo, mas tem fragilidade de apoio no Congresso ao mesmo tempo em que impõe dificuldades para zerar o déficit”, diz.
O esforço de presidentes para eleger prefeitos não é uma coisa comum. FHC mal apoiou os tucanos em São Paulo em 1996 (José Serra) e 2000 (Geraldo Alckmin) — eles não foram sequer ao segundo turno. “São mais de 5 000 municípios no Brasil e ele não irá para as ruas participar de qualquer campanha. Permanecerá em Brasília governando o país”, disse Serra. Nos dois primeiros mandatos, Lula subiu em um ou outro palanque. Em 2008, afirmou que evitaria “ao máximo possível” para não criar mal-estar na base do governo. O presidente, porém, discursou no comício de Marta em São Paulo — ela perdeu para Gilberto Kassab. Em 2012, Dilma Rousseff participou da campanha de Haddad e subiu em palanques em Campinas e Salvador. Já o seu sucessor, Michel Temer, não se envolveu. No último pleito, em 2020, Bolsonaro também manteve distância: externou apoio a apenas dois candidatos em capitais — Marcelo Crivella (Rio) e Capitão Wagner (Fortaleza), que não se elegeram — e não foi a nenhum evento de campanha.
Há um certo consenso de que as eleições municipais são difíceis de serem nacionalizadas, porque o eleitor tende a se guiar por questões mais próximas do seu cotidiano. Nesse ponto, a bagagem que o “mascate” Lula irá levar pelo país pode agradar à clientela porque inclui escolas, creches, postos de saúde, quadras esportivas e centros comunitários. Parece lista de promessas de candidatos a prefeitos, mas é o pacote com que ele vai colocar a sua popularidade e de seu governo à prova. Resta ver o que dirão as urnas.
Publicado em VEJA de 12 de janeiro de 2024, edição nº 2875