Para Jamila Jorge Ferrari, delegada coordenadora das Delegacias de Defesa da Mulher de São Paulo, denunciar o companheiro agressor é a única forma de interromper a escalada de violência que pode culminar no feminicídio.
Por que o feminicídio tem aumentado? Há vários fatores. O feminicídio passou a ser um agravante em 2015, então a polícia levou um tempo para fazer o registro da forma correta. Há também o fato de as mulheres terem mais coragem de denunciar e de a imprensa estar mais interessada na pauta. É um crime que existe desde sempre.
Por quê? Ninguém começa um relacionamento dando um tapa na cara. A agressão vem em escalada contínua. Os primeiros sinais ocorrem quando o companheiro sugere que a mulher não use determinada roupa, pede para ver o celular e para ela evitar certas amizades. Isso evolui para um esbarrão, tapa, soco e, em último caso, o feminicídio. Trata-se de um crime não premeditado. Em geral, é um ataque de fúria com muita crueldade.
Explique melhor. As armas usadas são faca, martelo e a força do corpo. Há muitos casos de maridos que queimam a companheira. O feminicida agride partes importantes para a mulher, como o rosto, os seios e a vagina. Existem registros de dezenas de facadas na região da pélvis. Não é apenas matar, entende? O objetivo é deixar marcado que a companheira é sua propriedade. Muitos feminicidas podem ser bons pais, bons funcionários. A questão dele é com a mulher. Os xingamentos são sempre de caráter sexual: galinha, vagabunda, prostituta. O homem elabora um motivo para matar, quase sempre sem conexão com a realidade.
Como evitar esse crime? Além da importância de denunciar o agressor em casos imediatos, a longo prazo esse quadro só será transformado com a educação. A Espanha reduziu os casos de feminicídio porque as escolas públicas e particulares passaram a dar aulas sobre igualdade de gênero e respeito ao próximo. Não podemos esquecer: homens machistas foram criados por mulheres machistas. O machismo não está no DNA, ele é uma construção social. Enquanto as escolas não tiverem um programa para ensinar que todos temos os mesmos direitos e importância, não haverá evolução.
Publicado em VEJA de 19 de fevereiro de 2020, edição nº 2674