O pequeno município de Alto Alegre do Pindaré, a 350 quilômetros da capital São Luís, no Maranhão, vive dias de expectativa. Imersa no trabalho informal e com uma taxa de ocupação de menos de 4%, uma das mais baixas do Brasil, a população local pode ver um filho ilustre da terra ganhar uma vaga no ministério do presidente Lula. O nome dele — ou melhor, o apelido — é famoso entre os 25 000 moradores da região, administrada pela quarta vez por Fufuca Dantas, de 67 anos. O filho do prefeito foi indicado pelo PP para assumir uma pasta na Esplanada dos Ministérios em meio às negociações para a adesão do Centrão ao governo. Caso a nomeação seja confirmada, consolidará a guinada meteórica na vida do rebento, um jovem deputado federal de 33 anos que entrou na política em 2010, enquanto ainda cursava a faculdade, para substituir o pai, que enfrentava problemas legais para concorrer. Naquela época, ninguém sabia quem era o candidato “André”. A resposta vinha a reboque: “O do Fufuca”. Levando a alcunha do pai à urna, ele foi eleito deputado estadual, depois chegou à Câmara Federal, reelegeu-se e, agora, quem diria, André Fufuca pode virar ministro.
Com algumas adaptações, o enredo alto-alegrense se repete na composição ministerial do governo Lula. Atualmente, representantes de importantes clãs da política brasileira ocupam o centro do poder em pastas estratégicas, de forte peso eleitoral, e não escondem o sonho de alçar voos mais altos para manter viva a influência de suas famílias. Conforme o andar das negociações, as mudanças que devem ser promovidas na Esplanada dos Ministérios para abrigar o PP e o Republicanos no governo vão aumentar ainda mais o espaço de uma nova geração de políticos e sacramentar a ascensão de cinco descendentes de célebres figuras que dão as cartas em seus municípios ou estados. Todos eles são jovens, oriundos do Norte ou do Nordeste e carregam o vínculo familiar na certidão de nascimento e em seus registros eleitorais. Indicado pelo Republicanos para assumir um ministério, o deputado federal Silvio Costa Filho é o primogênito do ex-deputado Silvio Costa, um histórico e estridente aliado do presidente da República — os dois se conhecem desde o fim da década de 80, quando o petista era líder sindical e ele era professor.
Silvio Costa, o pai, já foi vereador no Recife, deputado federal e hoje é suplente da senadora Teresa Leitão (PT-PE). Nas eleições de 2018, ele tentou uma cadeira no Senado como um “candidato de Lula”, mas acabou derrotado. Conhecido como um dos poucos aliados que se mantiveram fiéis à presidente Dilma Rousseff durante o processo de impeachment, Silvio Costa está sem mandato desde 2019, mas nem por isso se mantém distante do poder. Visto em Brasília com frequência, ele abriu uma empresa de consultoria política e não encontra dificuldade para abrir portas de importantes gabinetes, como o do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com quem se reuniu em junho. Uma semana antes, ele também estava estrategicamente posicionado ao lado do filho durante uma visita de Lula a uma fábrica de automóveis e posou para fotos ao lado do presidente. “Eu tenho uma frase que é a seguinte: quando um filho de um médico quer ser médico, a sociedade aplaude e acha normal. Mas, quando o filho de um político quer ser político, a sociedade olha de esguelha. O cara nasce e vê o pai falando de política o tempo todo. Eu tenho quatro filhos. Um é médico, o outro é economista e dois entraram na política. Mas nada fui eu que pedi”, afirma Silvio Costa, que nega qualquer ingerência nas negociações em andamento.
Na última semana, Lula se reuniu com o chefe da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, para discutir a divisão dos ministérios. Até o fechamento desta edição, não havia sido feito nenhum anúncio e estavam previstos novos encontros nos próximos dias para bater o martelo. As negociações se arrastam há meses e seguem emperradas por um cabo de guerra. De um lado, o Centrão cobra um ministério de peso e de forte ação nos municípios, como o do Desenvolvimento Social, que é responsável pelo Bolsa Família e para o qual o PP sugeriu André Fufuca, o filho de Fufuca Dantas. Lula já avisou que vai ceder espaço aos novos aliados, mas é ele quem vai decidir as cadeiras que serão ofertadas. No xadrez ministerial, o presidente também tem analisado as realidades regionais, porque quer evitar que rixas estaduais sejam levadas para dentro do governo federal, como a de Alagoas, que abalou o início de seu terceiro mandato.
Fiel aliado de Lula, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) tem prestígio de sobra no Planalto. Seu primogênito, Renan Filho, foi governador de Alagoas, deputado federal e atualmente está licenciado do Senado, cadeira para a qual se elegeu em 2022, porque foi convidado para assumir o Ministério dos Transportes. O problema é que o arqui-inimigo dos Calheiros em Alagoas é justamente Arthur Lira, presidente da Câmara, que, sem um ministério para chamar de seu, ameaçou impor uma série de derrotas a Lula até que as negociações avançassem. Lira não tem filhos na política, mas tem em André Fufuca, o líder do PP na Câmara, um de seus homens de confiança. A eventual nomeação do deputado para o ministério, além de agradar ao Centrão, seria uma forma de equilibrar um pouco mais a disputa com os Calheiros, na qual a distribuição de verbas e benesses oficiais às bases eleitorais pode fazer toda a diferença.
Outra fonte de dor de cabeça para o governo é o caso de Juscelino Filho (União Brasil), ministro das Comunicações. Adversário político no Maranhão do titular da Justiça, Flávio Dino, Juscelino Filho foi alvejado por revelações de que mandou milhões de reais do orçamento secreto para asfaltar uma estrada que dá acesso a uma fazenda de sua família, em Vitorino Freire (MA). O município hoje é comandado por sua irmã e já teve como prefeito o seu genitor, Juscelino Rezende. Juscelino, o pai, também já foi deputado estadual e secretário de Estado. No entanto, acabou submergindo na vida pública após se envolver em diversas encrencas, que vão de desvio de verbas da saúde, o que lhe rendeu uma condenação de seis anos de prisão, até a acusação de homicídio qualificado, objeto de um processo em curso no Superior Tribunal de Justiça. Atualmente, o pai do ministro está sem mandato, mas nem por isso longe da política. Quem acompanha a articulação local garante que Juscelino Rezende atua como um preposto do filho no estado, reunindo-se com prefeitos e, na sequência, levando as demandas para seu influente contato em Brasília.
Nada, no entanto, se compara à ramificação dos Barbalhos. Sem nunca ter exercido um cargo eletivo, o empresário Jader Filho (MDB) ganhou o cobiçado Ministério das Cidades, responsável por tocar as obras do Minha Casa, Minha Vida. Como principal credencial para o posto, ele tem o DNA de um dos maiores caciques do Pará, o ex-governador e atual senador Jader Barbalho. Jader, o filho, completa um quarteto poderoso da família em postos-chave. A mãe do ministro, Elcione Barbalho, atualmente exerce seu sétimo mandato de deputada federal, enquanto o irmão, Helder Barbalho, foi reeleito em primeiro turno ao governo do Pará. O pai, aos 78 anos, está no terceiro mandato de senador. No entorno da família, já há quem sonhe ainda mais alto e diga que, muito em breve, um herdeiro do clã chegará à Presidência da República ou, pelo menos, à Vice-Presidência.
A ascensão dos herdeiros de poderosos políticos tem reflexos a milhares de quilômetros de Brasília. Com uma forte política populista, a prefeitura da pequena Alto Alegre do Pindaré, dos Fufucas, costuma realizar festivais com uma generosa distribuição de prêmios, que vão de fritadeiras sem óleo a Pix depositados na poupança, e recentemente a cidade recebeu shows de artistas consagrados nacionalmente, como Wesley Safadão e Bell Marques. Desde que o filho do prefeito foi eleito deputado federal, uma enxurrada de verbas da União foi investida no município e serviu para prover asfaltamento, equipar hospitais e escolas e estruturar o famoso ginásio “Fufucão”. Em retribuição, mais de 60% dos eleitores do município votaram no Fufuquinha na eleição de 2022. Ser amigo — ou filho — do rei é sempre um bom negócio.
Publicado em VEJA de 2 de agosto de 2023, edição nº 2852